segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O vampiro Lestat: Anne Rice, 1984

Bem, me demorei em novo post porque realmente minhas últimas leituras não foram dignas de indicação. Não que fossem ruins, mas reservo esse espaço para leituras que tenho certeza que vão fazer a diferença para os bons leitores.
Esse livro é o segundo da série "As crônicas vampirescas" da escritora Anne Rice. Já li alguns dela, meio aleatoriamente, e de uns tempos para cá estou empenhada não apenas em ler todos todos os seus títulos, mas também em tê-los a todos. Como o $ ainda não dá em árvore, e eu ainda não dedico meu dinheiro à compra compulsiva de livros, estou comprando vagarosamente. Já tenho quatro. E também gosto de comprar livros usados, não somente por serem baratos, mas porque é quase um sentimento de adoção que me acomete, rs rs, verdade seja dita. Na compra desse livro dei a sorte grande, consegui a primeira edição em português por uma verdadeira pechincha.
Sinceramente, achei esse livro bem melhor do que o Entrevista com o Vampiro, apesar de evidentemente ser menos famoso. Ele é uma das peças fundamentais para se conseguir compreender as crônicas na sua integridade. O livro não apenas conta detalhadamente a história de Lestat, como também revela em totalidade as histórias dos vampiros Armand, Marius e Gabrielle. Sem mencionar a história dos poderosos progenitores Akasha e Enkil, a história da origem dos vampiros, da perspectiva da própria Akasha. 
A escritora faz uma viagem completa por todos os cenários históricos onde as histórias dos diferentes personagens se passam, e mostra como os vampiros estiveram relacionados com as crenças e com a religiosidade ao longo dos séculos.
Como é de seu costume, Rice impregna sua narrativa com passagens filosóficas e questionamentos metafísicos, característica da autora que transforma sua leitura em muito mais do que um simples entretenimento, num verdadeiro instrumento de reflexão.



RICE, Anne. O Vampiro Lestat. 1ª edição. São Paulo: Marco Zero, 1989.


E havia também alguma coisa de vampiresca na música de rock. Ela certamente soava como sobrenatural. Estou me referindo à maneira como a eletricidade pode sustentar para sempre uma única nota; ao modo como as harmonias são superpostas até você sentir-se dissolvido no som. Terrivelmente eloqüente esta música. O mundo não tinha visto nada semelhante antes. p. 11


[...] as pessoas mais simples desta época se orientavam por uma vigorosa moralidade secular tão forte quanto qualquer moralidade religiosa que eu já conhecera. Os intelectuais carregavam as bandeiras. Mas pessoas inteiramente comuns em toda a América se preocupavam apaixonadamente com a “paz”, os “pobres” e “o planeta”, como se estivessem possuídas por um zelo místico.
Tencionavam acabar com a fome neste século. Erradicariam as doenças a qualquer preço. Questionavam ferozmente a pena de morte e o aborto. E combatiam as ameaças da “poluição ambiental” e da “guerra de holocausto”, com tanta violência quanto em épocas passadas combateram a bruxaria e a heresia.
Quanto à sexualidade, já não era mais uma questão de superstição e medo. Ela estava sendo despojada dos últimos traços de religiosidade. Era por isso que as pessoas andavam meio nuas. Era por isso que se beijavam e se abraçavam nas ruas. Agora conversavam sobre ética, responsabilidade e beleza do corpo. A procriação e as doenças venéreas estavam sob controle.
Ah, o século XX. Ah, o giro da grande roda. Superara os sonhos mais desvairados este futuro. Transformara em tolos os profetas sinistros de épocas passadas.
Eu pensava muito nessa inocente moralidade secular, nesse otimismo. Neste mundo brilhantemente iluminado onde o valor da vida humana era maior do que havia sido antes. p. 13-14
           

E conhecerei pessoas como você, pessoas que tenham alguma coisa na cabeça e que saibam conversar, e nos sentaremos nos cafés, beberemos juntos, discutiremos com ardor e passaremos o resto de nossas vidas em uma excitação divina. p. 44

            
Até o mais convicto dos ateus provavelmente acredita que a morte lhe trará alguma resposta. p. 49

            
Não sei. Chegou como uma coisa que veio de fora e se instalou em mim. Num minuto era uma idéia, no outro era real. Creio que se pode atrair esse tipo de coisa, mas não se pode fazê-la vir. p. 51


Naturalmente, tudo que esses jovens burgueses realmente desejavam era tornarem-se aristocratas. Compravam títulos e ligavam-se pelo matrimônio a famílias nobres sempre que podiam. E é uma das pequenas ironias da História que eles tenham participado da Revolução e ajudado a destruir a classe à qual, de fato, gostariam de ter se juntado. p.57


[...] eu posso viver sem Deus. Posso até viver com a idéia de que não existe vida depois da morte. Mas não creio que pudesse continuar se não acreditasse na possibilidade da bondade. p.61


Então, deitei prostrado sobre as pedras, não mais murmurando orações, mas sim aquelas súplicas desarticuladas que fazemos diante de tudo que é poderoso, de tudo que é sagrado, de tudo que possa ou não existir com que nome for. p. 80


Quero saber, por exemplo, por que a beleza existe, por que a natureza continua a criá-la, e qual é a ligação entre a vida de uma tempestade de relâmpagos com os sentimentos que ela desperta dentro de cada um de nós? Se Deus não existe, se essas coisas não estão unificadas em um sistema metafórico, então por que exercem tamanho poder simbólico sobre nós? p. 226-7

            
Teria sido este o perigo que senti o tempo todo, o gatilho do meu medo? Mesmo enquanto admitia isto, eu já estava me rendendo, e me pareceu que as grandes lições da minha vida foram todas elas aprendidas através da renúncia ao medo. p. 228


- Quando o mundo dos homens cair em ruínas, a beleza tomará conta de tudo. As árvores crescerão novamente onde havia apenas ruas; as flores recobrirão os campos que são agora um pantanal de choupanas. Este será o propósito do mestre satânico, ver a relva selvagem e as densas florestas cobrirem todos os vestígios das grandes cidades até que nada permaneça delas.
- E por que chama tudo isto de satânico? Por que não chamar de caos? Pois é isto o que seria.
- Porque este é o nome que os homens dariam. Eles inventaram Satã, não foi? Satânico é apenas o nome que eles dão ao comportamento daqueles que tentam perturbar o ordenado mundo no qual desejam viver. [...] É claro que Deus não é necessariamente antropomórfico. Nem tampouco, o que, em nosso colossal egocentrismo e sentimentalismo, poderíamos chamar de “uma pessoa decente”. Mas pode existir um Deus. Satã, contudo, foi uma invenção humana, um nome dado às forças que procuram aniquilar a ordem civilizada das coisas. O primeiro homem a estabelecer as leis - seja ele Moisés ou algum antigo rei egípcio como Osíris - foi também o criador do diabo. O diabo é aquele que tenta alguém a quebrar as leis. E nós somos verdadeiramente satânicos porque não obedecemos a nenhuma lei que proteja o homem. Então por que não fazer a subversão total? Por que não fazer uma fogueira do mal para consumir todas as civilizações da terra? p. 261-2

            
Não sei por que continuo. Eu não busco a verdade. Não acredito nela. Não espero que você me revele nenhum antigo segredo, qualquer que seja ele. Mas acredito em alguma coisa. Talvez simplesmente na beleza do mundo onde vivo ou na própria vontade de viver. p. 264


[...] toda a velha poesia fazia sentido quando se olhava para alguém a quem se amou. p. 275


Que é bom, que faz algum bem, que contém alguma bondade! Meu Deus, mesmo se este mundo fosse inteiramente desprovido de sentido, certamente ainda haveria lugar para a bondade. É bom comer, beber, rir... estar junto... p. 279


Pouquíssimos seres neste mundo realmente buscam o conhecimento. Mortais ou imortais, poucos realmente questionam. Ao contrário, eles geralmente tentam extrair do desconhecimento as respostas que já modelaram em suas próprias mentes - justificativas, confirmações, fórmulas reconfortantes sem as quais não poderiam continuar vivendo. Questionar realmente é abrir a porta para um furacão. A resposta pode destruir a indagação e o questionador. p.294


Fala-se muito neste século sobre a nobreza do selvagem, sobre a força corruptora da civilização, sobre o modo como devemos encontrar nosso caminho de volta para a inocência perdida. Bem, isto na verdade é bobagem. Povos verdadeiramente primitivos podem se revelar monstruosos nas suas crenças e expectativas. Eles não podem entender a inocência assim como as crianças. Mas a civilização finalmente produziu homens que se comportam inocentemente. Pela primeira vez eles olham ao redor de si mesmo e dizem: “Mas que diabo é tudo isto aqui?” p. 294

            
Ser ateu é provavelmente o primeiro passo para a inocência, libertar-se da sensação de pecado e subordinação, do falso pesar pelas coisas destinadas a serem perdidas. p. 295


Mas, aos quarenta, já vivera o bastante para saber que a maioria das pessoas que encontramos pelas tabernas podem parecer interessantes no início, mas depois tornam-se insuportavelmente aborrecidas. p. 309


E eu sabia apenas o que todos os homens sabem, que o ciclo do inverno e da primavera, de todas as coisas que crescem, contém no seu próprio interior alguma sublime verdade que restaura sem necessidade de mitos ou linguagem. p. 316

            
Enquanto o Império Romano aproximava-se do seu fim, todos os antigos deuses do mundo pagão passaram a ser vistos como demônios pelos cristãos em ascensão. Era inútil dizer a eles, enquanto os séculos passavam, que seu Cristo nada mais era do que um outro Deus da Floresta, morrendo e ressuscitando, assim como Dionísio ou Osíris tinham feito antes dele, e que a Virgem Maria era na verdade a Boa Mãe novamente entronizada. Era deles uma nova era de crença e convicção, e nela nós nos tornamos os demônios, afastados do que eles acreditavam, enquanto o antigo conhecimento era esquecido ou mal compreendido. p. 355


E no mundo de hoje o vampiro é apenas um Deus Maligno. Ele é um Filho das Trevas. Ele não pode ser outra coisa além disso. Se ele exerce algum poder de atração sobre a mente dos homens é apenas porque a imaginação humana é um lugar secreto povoado de memórias primitivas de desejos inconfessáveis. A mente de cada homem é um Jardim Selvagem, no qual florescem e morrem todos os tipos de criaturas, onde cânticos são entoados e coisas imaginadas, para serem depois todos rejeitados e condenados. p.356

            
Velhas verdades e antigas magias, revolução e invenção, tudo conspira para desviar nossa atenção da paixão que, de uma maneira ou de outra, termina por nos derrotar a todos. p. 377


Os cientistas de hoje são médicos-feiticeiros eternamente em guerra um contra o outro. Nunca estão de acordo, mesmo nas questões mais elementares. Você teria de espalhar este pedacinho de pele sobrenatural para todos os microscópios do mundo e mesmo assim provavelmente o público não acreditaria em uma só palavra. p. 407


Agora eu sabia tudo aquilo que não encontrara nas páginas dos livros que lera sobre os músicos de rock - este louco casamento entre o primitivo e o científico, este frenesi religioso. Nós, sem dúvida, estávamos no antigo bosque. Todos nós estávamos com os deuses. p. 414

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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Dean R. Koontz - Lágrimas do Dragão, 1993

Um dos aspectos mais interessantes deste livro é que toda a história se passa num período que compreende menos de 24 horas e, por isso mesmo, ele acaba sendo muito dinâmico. O autor vai costurando retalhos da história de cada personagem  até o momento em que suas vidas finalmente se encontram - numa conclusão realmente enervante. Assediados por aparições de um ser com poderes sobrenaturais, os personagens vivem um verdadeiro terror psicológico nas mãos de um lunático que pensa estar se tornando o novo Deus "castigador" e purificador da humanidade. Confusos, eles tentarão entender a natureza do que se passa. No limiar entre a loucura e uma nova realidade totalmente assustadora, eles enfrentarão uma frenética corrida contra o tempo na luta pela sobrevivência.
Com descrições de arrepiar e causar enjoos, o livro é uma obra de terror das melhores, escrita por um autor já consagrado no ramo.

KOONTZ, Dean. Lágrimas do dragão. Rio de Janeiro: Record, 1995. 383 p.


Os jornalistas eletrônicos nem sempre têm motivos lógicos ou justificativas verossímeis para dizer e fazer algumas das coisas que dizem e fazem. Para muitos deles, relatar as notícias não é um compromisso sagrado nem um serviço público, é show business, onde luzes e estardalhaço são mais necessários que fatos e números. p. 93

Um esbarrão com a morte era um grande esclarecedor de pensamentos e sentimentos. p. 94

A vida é engraçada. Tantas conexões com outras pessoas, das quais nem fazemos idéia, fios invisíveis nos ligando a gente que há muito esquecemos e a alguns que não encontraremos durante anos - se é que encontraremos algum dia. p. 120

“Algumas vezes a vida pode ser amarga como lágrimas de dragão. Mas se as lágrimas de dragão são amargas ou doces depende inteiramente de como cada homem percebe o gosto”. Em outras palavras, a vida é dura, até mesmo cruel, mas também é aquilo que você faz dela. p. 120

Elementos criminosos, sociopatas. Eles têm um monte de nomes. Como as pessoas feitas de vagens, em Invasores de Corpos, eles andam entre nós e passam por seres humanos comuns, civilizados. Mas mesmo havendo muitos, ainda são uma pequena minoria, e são qualquer coisa, menos comuns. Sua civilização é um verniz, maquiagem teatral escondendo o selvagem escamoso e rastejante do qual evoluímos, a antiga consciência reptiliana. p. 143

Esses são os anos noventa, o cotilhão do pré-milênio, a nova Idade das Trevas, quando qualquer coisa pode acontecer e geralmente acontece, quando o impensável não é comente pensável, mas aceito, quando cada milagre da ciência é contrabalançado por um ato de barbárie humana que não faz praticamente ninguém erguer a sobrancelha. Cada realização tecnológica brilhante é contrabalançada por mil atrocidades de ódio e estupidez humana. Para cada cientista que busca a cura do câncer existem cinco mil facínoras querendo marretar o crânio de uma senhora de idade até transformá-lo em suco de maçã, só pelos trocados que ela tem na bolsa. p. 148

Quando varrido pela tempestade,
abrace o caos.
 p. 165

A verdade é que ele achava difícil admitir que amava qualquer pessoa, homem ou mulher, até mesmo seus pais, porque o amor era uma coisa muito complicada. Implicava obrigações, compromissos, envolvimentos, troca de emoções. Quando você admitia que amava pessoas, tinha de deixá-las entrar mais profundamente em sua vida, e elas traziam todos os seus hábitos confusos, seus gostos promíscuos, suas opiniões turvas e suas atitudes desorganizadas. p. 191

Hoje em dia, se sua vida se ferra, se você fracassa com a família e os amigos, nunca é culpa sua. Você é um bêbado? Bom, talvez seja uma predisposição genética. É um adúltero compulsivo, tem cem parceiros sexuais por ano? Talvez não tenha se sentido amado na infância, talvez seus pais nunca lhe tenham dado todo o carinho que você precisava. Tudo isso é besteira.
Você arrebenta a cabeça de um balconista ou espanca uma senhora até a morte em troca de vinte pratas? Bom, você não é um mau sujeito, não tem culpa! Seus pais é que têm culpa, a sociedade é que tem culpa, toda a cultura ocidental tem culpa, mas não você, nunca você, que idiotice sugerir uma coisa dessas, que insensatez, que coisa mais fora de moda!
Você pode abandonar a esposa e os filhos sem pagar pensão às crianças, roubar milhões de seus investidores, transformar em geléia o cérebro de um cara só porque ele é gay ou se mostrou desrespeitoso com você, jogar o bebê no incinerador de lixo porque tem outras idéias sobre a alegria de ser mãe, fraudar os impostos, o seguro social, vender drogas a crianças da escola primária, abusar da própria filha e mesmo assim dizer que você é a vítima. Todo mundo é vítima hoje em dia. Ninguém é agressor. Não importa a atrocidade que você cometa, pode implorar simpatia, reclamar que é vítima de racismo, de racismo às avessas, de sexismo, preconceito de idade, de classe, preconceito contra pessoas gordas, pessoas feias, pessoas burras, pessoas inteligentes. Por isso roubou bancos ou explodiu a cabeça daquele tira, porque é uma vítima, há milhões de modos de ser vítima. É, certo, você desvaloriza as reclamações honestas das vítimas de verdade, mas que diabo, a gente só vive uma vez, é preciso participar da ação e, afinal de contas, quem se importa com aquelas vítimas de verdade? Pelo amor de Deus, eles são perdedores.

p. 205 -206

Sob a casca dura de cinismo que alimentara com tanto amor durante tanto tempo, ela evidentemente guardava, como qualquer pobre-diabo do mundo, a esperança de que era diferente e que viveria para sempre. p. 287

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Aldous Huxley - Admirável mundo novo, 1932


Ando relendo alguns livros, lendo-os com os olhos de hoje que são realmente bastante distintos dos de ontem, e assim o serão dos de amanhã. É absolutamente impressionante como nossas impressões mudam a respeito das mesmas leituras. Esse livro se mostrou completamente diferente. Li pela primeira vez durante minha adolescência e admiti um sentido totalmente diverso para a obra. Inspiração de rebeldia contra o sistema, de inconformação, de rejeição dos papéis sociais, dos dogmas. Me colocava, então, como uma operária indignada por ser manipulada, revoltosa pela realidade plástica.
Hoje, muito diferente, muito. Não digo que concordaria com uma sociedade como a que Aldous nos coloca - longe disso -, mas desta vez acabei refletindo sobre mil e uma outras coisas daquele modelo social em relação ao caos e degradação em que vivemos na sociedade de hoje. Vi, sim, muitos aspectos positivos, e, claro, mantenho minha resistência quanto ao condicionamento. Mas e por que mantenho essa resistência? Essa segunda leitura fez com que me questionasse sobre isso. De qualquer forma, algumas questões que ficam: o que é de fato liberdade? que liberdade é essa proclamada e defendida da qual tanto nos gabamos,  e pela qual  oferecemos impulsiva resistência ao mundo de condicionamento sistemático e aberto que Huxley nos mostra? que moralidade é essa que faz com que o Estado Mundial nos escandalize tanto? não estamos nós a defender uma liberdade que não existe? e, pior, não estamos nós, através de uma negação moralista, a alimentar um condicionamento muito pior, um condicionamento mascarado, velado, que incorre violentamente para a miséria dos seres humanos de nossa era?
 

HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. São Paulo: Globo, 2003. 314 p.


Lema do Estado Mundial: Comunidade, Identidade, Estabilidade.

Considerem o cavalo. - Os rapazes o consideraram. - Maduro aos seis anos; o elefante, aos dez. Enquanto, aos treze anos, um homem ainda não está sexualmente amadurecido, e não é adulto antes dos vinte anos. Daí, naturalmente, esse fruto do desenvolvimento
retardado: a inteligência humana. p. 23

- E esse é o segredo da felicidade e da virtude: amarmos o que somos obrigados a fazer. Tal é a finalidade de todo o condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social de que não podem escapar. P. 24-25

Aqueles que se sentem desprezados fazem bem em ostentar um ar de desprezo. P. 47

Estabilidade. Estabilidade. Não há civilização sem estabilidade social. Não há estabilidade social sem estabilidade individual. P. 55

Cada um pertence à todos. P. 56

As palavras podem ser como os raios x, se as usarmos adequadamente: penetram em tudo. A gente lê e é trespassado. P. 87

Porque tinha tantas coisas insensatas e excruciantes pelas quais podia exaltar-se. É preciso estar ferido e perturbado sem o que não se acham as expressões verdadeiramente boas, penetrantes, as frases de raios x. p. 224

“Um homem envelhece; percebe em si mesmo aquela sensação radical de fraqueza, de atonia, de mal-estar que acompanha o avançar da idade; e, sentindo-se assim, julga estar apenas doente, aquieta seus temores com a idéia de que esse estado penoso é devido a alguma causa particular, da qual espera curar-se como de uma moléstia. Vãs imaginações! A moléstia é a velhice; e trata-se de uma doença horrível. Dizem que é o medo da morte, e do que vem depois da morte, que leva os homens a se voltarem para a religião à medida que os anos se acumulam. Todavia, a experiência pessoal me trouxe a convicção de que, completamente à parte de tais temores e imaginações, o sentimento religioso tende a desenvolver-se porque, à medida que as paixões se acalmam, que a fantasia e a sensibilidade vão sendo menos excitadas e menos excitáveis, a razão é menos perturbada em seu exercício, menos obscurecida pelas imagens, desejos e distrações que a absorviam; então Deus emerge como se tivesse saído de trás de uma nuvem; nossa alma vê, sente a fonte de toda luz, volta-se natural e inevitavelmente para ela; porque, tendo começado a esvair-se dentro de nós tudo aquilo que dava ao mundo das sensações sua vida e seu encanto, não sendo mais a existência material sustentada por impressões externas e internas, sentimos a necessidade de nos apoiarmos em algo que permaneça, que nunca nos traia – uma realidade, uma verdade, absoluta e eterna. Sim, voltamo-nos inevitavelmente para Deus; pois esse sentimento religioso é por natureza tão puro, tão delicioso para a alma que o experimenta, que compensa todas as nossas outras perdas”. P. 282-83

Os deuses são justos. Sem dúvida. Mas o seu código de leis é ditado, em última instância, pelas pessoas que organizam a sociedade; a Providência recebe a palavra de ordem dos homens. P. 286

- Mas Deus é a razão de ser de tudo o que é nobre, belo, heróico. Se tivesse um Deus...
- Meu jovem amigo, a civilização não tem nenhuma necessidade de nobreza ou de heroísmo. Essas coisas são sintomas de incapacidade política. Numa sociedade convenientemente organizada como a nossa, ninguém tem oportunidade para ser nobre ou heróico. É preciso que as coisas se tornem profundamente instáveis para que tal oportunidade possa apresentar-se. Onde houver guerras, onde houver obrigações de fidelidade múltiplas e antagônicas, onde houver tentações a que se deva resistir, objetos de amor pelos quais se deva combater ou que seja preciso defender, aí, evidentemente, a nobreza e o heroísmo terão algum sentido. Mas não há guerras em nossos dias. Toma-se o maior cuidado em evitar amores extremados seja por quem for. Não há nada que se assemelhe a obrigações de fidelidade antagônicas; todos são condicionados de tal modo que ninguém pode deixar de fazer o que deve. E o que se deve fazer é, em geral, tão agradável, deixa-se margem a tão grande número de impulsos naturais, que não há, verdadeiramente, tentações a que se deva resistir. E se alguma vez, por algum acaso infeliz, ocorrer de um modo ou de outro qualquer coisa de desagradável, bem, então há o soma, que permite uma fuga da realidade. E sempre há o soma para acalmar a cólera, para nos reconciliar com os inimigos, para nos tornar pacientes e nos ajudar a suportar os dissabores. No passado, não era possível alcançar essas coisas senão com grande esforço e depois de anos de penoso treinamento moral. Hoje, tomam-se dois ou três comprimidos de meio grama e pronto. Todos podem ser virtuosos agora. Pode-se carregar consigo mesmo, num frasco, pelo menos a metade da própria moralidade. O cristianismo, eis o que é o soma. p. 287-88

- Mas eu gosto dos inconvenientes.
- Nós, não. Preferimos fazer as coisas confortavelmente.
- Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade. Quero o pecado.
- Em suma – disse Mustafá Mond -, o senhor reclama o direito de ser infeliz.
- Pois bem, seja – retrucou o Selvagem em tom de desafio. – Eu reclamo o direito de ser infeliz.
- Sem falar no direito de ficar velho, feio e impotente; no direito de ter sífilis e câncer; no direito de não ter quase nada que comer; no direito de ter piolhos; no direito de viver com a apreensão constante do que poderá acontecer amanhã; no direito de contrair a febre tifóide; no direito de ser torturado por dores indizíveis de toda espécie.
Houve um longo silêncio.
- Eu os reclamo todos – disse finalmente o Selvagem.
Mustafá Mond deu de ombros.
- À vontade – respondeu.
p. 291




quinta-feira, 30 de junho de 2011

O caso de Charles Dexter Ward - H. P. Lovecraft, 1927

Criei um tópico especial para o [Lovecraft], mas como essa história é uma romance, e por isso mais extensa, decidi dedicar uma postagem só para ela.
Esse livro realmente me fez arrepiar o pêlo. Um curioso jovem - Charles Dexter - resolve desenterrar (até que acaba por literalmente o fazê-lo) a história de seus antepassados, e após incansável investigação, ele descobre um ancestral macabro em sua linhagem, cujas referências foram sistematicamente extintas dos registros. De pesquisador entusiasta, Charles passa a escravo de uma obsessão que toma formas sobrenaturais. Ao dar continuidade às hediondas "experiências" e estudos de seu tetravô, ele invoca forças e entidades de um mundo totalmente desconhecido que já não pode controlar. 

"Os sais essenciais dos animais podem ser preparados e preservados de modo que um homem engenhoso pode ter toda a Arca de Noé em sem seu próprio escritório e fazer surgir a bela forma de um animal das cinzas deste a seu bel prazer, e, pelo mesmo método, dos sais essenciais do pó humano, sem criminosa necromancia, um filósofo pode fazer reviver a forma de qualquer ancestral falecido das cinzas em que seu corpo se tornou.



LOVECRAFT, H. P. O caso de Charles Dexter Ward. Porto Alegre: L&PM, 1988. 144 p.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Cultura do medo - Barry Glassner, 1999

Esse livro inspirou o documentário do Michael Moore, Tiros em Columbine, vencedor do Oscar de 2003. 
Eu iria além a respeito de ter "inspirado", porque me parece que a obra do Moore é o livro na forma de documentário, com mais ênfase em alguns dos aspectos de que o livro trata.
Enfim, o autor é um sociólogo, e sua obra vem acompanhada de extensas notas referenciais, com todas as fontes que utilizou em sua pesquisa.
O tema central do livro são os medos que se arraigaram em nossa sociedade, medos que na maioria das vezes são pouco ou nada refletidos e quase sempre infundados, plantados pelos diversos tipos de mídia na forma de alarmismos que fazem com que nós nos sintamos cada vez mais ameaçados, vulneráveis e inseguros.
Obra fundamental para nos ajudar no entendimento e compreensão do nosso contexto sócio-cultural, faz com que afinemos nossa crítica em relação as informações externas que nos chegam.

GLASSNER, Barry. Cultura do medo : por que tememos cada vez mais o que deveríamos temer cada vez menos. São Paulo: Francis, 2003. 342 p.


Tão importante quanto o que se diz na mídia são os silêncios, o que não se diz. p. 17

Os telejornais sobrevivem com base em manchetes alarmistas. Nos noticiários locais, onde os produtores vivem à custa da máxima “se tem sangue, não tem pra ninguém”, histórias sobre drogas, crimes e desastres constituem a maioria das notícias levadas ao ar. p. 31

A resposta sucinta a por que os americanos cultivam tantos medos ilegítimos é a seguinte: muito poder e dinheiro estão à espera daqueles que penetram em nossas inseguranças emocionais e nos fornecem substitutos simbólicos. Este livro fornece uma resposta mais extensa, identificando os verdadeiros vendilhões dos nossos medos, seus métodos de marketing e os incentivos que o nosso saldo precisa adquirir. p. 40

Grandes porcentagens não têm necessariamente grandes números por trás delas. p. 51

Relativamente a quase todos os temores americanos atuais, em vez de se enfrentar problemas sociais perturbadores, a discussão pública concentra-se em indivíduos perturbados. p. 53

Veja uma quantidade suficiente de brutalidade na TV e você começará a acreditar que está vivendo em um mundo cruel e sombrio, em que você se sente vulnerável e inseguro. p. 100

O medo cresce, acredito, proporcionalmente à culpa inconfessa. Ao se cortar gastos com programas educacionais, médicos e antipobreza para os jovens, comete-se grande violência contra eles. Porém, em vez de se enfrentar a responsabilidade coletiva, projeta-se a violência contra os próprios jovens e contra estranhos que se imagina que irão atacá-los. p. 137

Esse tipo de asserção ratifica uma observação atribuída a Harry Truman: “Não há nada novo no mundo exceto a história que não se conhece”. p. 140

As crianças podem apresentar uma variação biológica em seus níveis de atividade. No entanto, se for para considerar um alto nível de atividade como distúrbio de déficit de atenção, isso dependerá da nossa concepção em relação à sala de aula ideal. [Kenneth Gergen, 1997]
A nossa consideração também depende da prática médica ideal, como sugerem outros cientistas sociais e especialistas em ética médica. Do ponto de vista dos convênios de saúde da década de 1990, esse ideal às vezes resume-se a gastar o mínimo possível para eliminar os sintomas de um paciente. Por que proporcionar longas terapias individuais ou familiares para tratar de problemas de crescimento ou emocionais da criança ou problemas da família quando, com uma simples receita, é possível se livrar de comportamentos que perturbam os pais e professores? p. 144

Provavelmente a dependência dos políticos em relação à indústria farmacêutica para o levantamento de fundos para as campanhas eleitorais e a dependência da imprensa em relação à mesma indústria para receitas publicitárias têm algo a ver com aquelas formas de consumo abusivo que eles deploram. p. 243

Não deveria haver mistério sobre onde grande parte do dinheiro e força de trabalho pode ser encontrada - na própria cultura do medo. Desperdiçamos dezenas de bilhões de dólares e horas de trabalho todos os anos com perigos basicamente míticos, como fúria no trânsito, em celas de prisão ocupadas por pessoas que representam pouco ou nenhum perigo para os outros, em programas idealizados para proteger jovens de perigos que poucos deles jamais enfrentam, em indenizações para vítimas de doenças metafóricas e em tecnologias para fazer com que as viagens aéreas - que já são mais seguras do que outros meios de transporte - fiquem ainda mais seguras.
Podemos optar por redirecionar alguns desses recursos para combater perigos sérios que ameaçam grande número de pessoas. Na época das eleições, podemos escolher candidatos que apresentam programas em vez de alarmismos.
Ou podemos continuar a acreditar em invasores marcianos. p. 331

terça-feira, 17 de maio de 2011

O novo século - Eric Hobsbawm, 1999

Esse livro é uma entrevista de Eric Hobsbawm concedida ao jornalista italiano Antonio Polito. A entrevista é dividida em alguns blocos principais que abordam questões sobre guerra, política, capitalismo, globalização e até mesmo meio ambiente. A entrevista busca, principalmente, a opinião do historiador sobre os possíveis e prováveis rumos da humanidade no novo século  XXI. Para quem não conhece, Eric Hobsbawm é um renomado historiador, autor de obras fundamentais que constam na bibliografia obrigatória dos currículos de História. Atualmente, Hobsbawm está com 93 anos [tinha em torno de 80 quando foi entrevistado], o que o dota de experiência e autoridade incríveis, aliadas ainda a uma intelectualidade invulgar, uma combinação de elementos que, como não poderia deixar de ser, resulta em perspectivas ampliadas e reflexivas que fazem com que nós, leitores, mudemos não só os rumos de nossos pensamentos, mas também o ponto de onde observamos o mundo. Segue a ficha de leitura.

HOBSBAWM, E. J. O novo século: entrevista a antonio polito. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 196 p.



Mas a previsão do futuro deve necessariamente basear-se no conhecimento do passado. Os acontecimentos futuros precisam ter alguma relação com os do passado, e é nesse ponto que intervém o historiador. Ele não está em busca de lucros, no sentido de que não explora seus conhecimentos para assegurar ganhos. O historiador pode tentar identificar os elementos relevantes do passado, as tendências e os problemas. Por isso, é preciso que nos arrisquemos a fazer previsões, mas tomando certos cuidados. Entre os quais, tendo sempre a consciência do perigo de macaquear o cartomante. Precisamos entender que, na prática e por princípio, grande parte do futuro é inteiramente inacessível. Creio que são imprevisíveis os acontecimentos únicos e específicos, ao passo que o verdadeiro problema para os historiadores é entender o quão importantes eles são ou podem vir a ser. Às vezes, podem se mostrar significativos do ponto de vista da análise, mas nem sempre é assim. p. 8

            Eu fiz uma escolha ao definir 1991 como o final do Século Breve (de certo modo, foi bem mais fácil estabelecer seu início em 1914), mas esta não era a única possibilidade quando escrevi meu livro em 1994. Eu escolhi essa data por ser mais conveniente. As datas exatas sempre são questões de conveniência histórica, didática ou jornalística. p. 9

           Só é possível saber com exatidão o fim de um período quando este já terminou há muito tempo. p. 10


Em última análise, em que consiste a lição do marxismo?

            Acima de tudo, o fato de ter compreendido que determinada etapa histórica não é permanente, que a sociedade humana é uma estrutura bem-sucedida porque é capaz de mudança e, assim, o presente não é seu destino final. Segundo, ter estudado o modus operandi, a maneira de funcionamento de um sistema social específico e, por que motivo ele gera ou deixa de gerar as forças de mudança. [...] Por esse motivo, a história que mais me interessa é a analítica, ou seja, aquela que procura analisar o que ocorreu em vez de simplesmente descobrir o que aconteceu. Isto não siginifica que possa ser usada para se compreender exatamente de que modo o mundo desenvolveu-se de certa maneira, mas ela pode nos dizer de que modo os vários elementos reunidos no interior de uma sociedade contribuem para a criação de um dinamismo histórico, ou inversamente, não conseguem provocar tal dinâmica.  p. 13


E existem diferenças na maneira como a guerra é travada?

            Existem e são diferenças enormes. Algumas eram previsíveis, outras nem tanto. A primeira é a transformação da guerra ocasionada pelos avanços tecnológicos. No início, nosso temos é que estes levassem a conflitos mais sanguinolentos e devastadores. No entanto, desde a Guerra do Golfo, sabemos que a tecnologia avançada permite um poder de destruição muito mais preciso e seletivo. As bombas inteligentes são capazes de escolher determinados objetivos e evitar outros. Colocando de lado os incidentes operacionais e os riscos de “fogo amigo”, essa nova realidade é importante porque restaura a distinção entre combatentes e não-combatentes, distinção que havia desaparecido no século XX quando as guerras envolveram cada vez mais as populações civis.
            Do outro lado, porém, isto possibilita o recurso cada vez mais freqüente e caprichoso aos meios de destruição. Para que acredita ser tão poderoso a ponto de escolher exatamente o que destruir, torna-se mais fácil sucumbir à tentação de resolver problemas com bombardeios, como ocorreu no Iraque. Neste sentido, os avanços tecnológicos aumentam o risco de conflitos armados, ao menos por parte das nações com acesso às novas armas. Ao mesmo tempo, eles levam a uma subestimação dos riscos do que se costuma chamar de “danos colaterais”. Não estou me referindo apenas a pessoas mortas por engano, mas aos enormes danos causados à infra-estrutura que permite a uma determinada comunidade sobreviver e produzir. O fato de que não há risco de matar seres humanos em demasia poderia nos levar a considerar esta uma maneira bastante civilizada de conduzir uma guerra.
            Por fim, em um plano mais baixo surgiu um enorme hiato, o dos povos que não têm acesso à tecnologia de ponta; entre as guerras conduzidas por aviões voando a 15 mil metros de altitude e lançando bombas extremamente sofisticadas, e as guerras no solo, com combates corpo a corpo, no quais as pessoas se matam até mesmo com machados ou facões, como ocorreu na África central.
            No passado, os “guerrilheiros” estavam equipados com fuzis e metralhadoras; hoje possuem lançadores de foguetes e armas antiaéreas. Esta é outra conseqüência da Guerra Fria, que inundou o mundo com armamentos sofisticados. Ainda que no período não tenha havido guerras entre as potências, as indústrias continuaram produzindo armamentos, como se estivesse em curso uma mobilização geral. É evidente que, com o fim da Guerra Fria, este imenso arsenal tornou-se imediatamente disponível. [...] Atualmente o mundo está repleto de armas, possibilitando a proliferação de grupos armados independentes. Eles não estão necessariamente vinculados a nenhum governo, mas encontram-se prontos para entrar em combate. p. 19


Não me parece que os governos entrem em guerra porque esta é justa ou injusta. Claro, eles costumam justificar suas ações militares alegando que são legítimas de modo a conseguirem o apoio da opinião pública. É essencial que esta seja convencida. É decisivo apresentar a guerra de tal maneira que as pessoas a vejam como algo legítimo e justo. Porém, não é fácil citar exemplos históricos de governos que foram à guerra por outros motivos que não seus interesses nacionais. p. 24


            Atualmente, os EUA consideram-se uma potência com a missão de estabilizar o mundo e, portanto, obrigada a recorrer, sempre que necessário, a operações policiais internacionais. Por isso, precisam demonstrar que, se necessário, suas forças podem intervir em qualquer parte do globo, de modo a convencer potenciais inimigos fora da área da OTAN. p. 28

           
            O mundo não será viável se uma nação pode dizer simplesmente: “Sou poderosa o suficiente para fazer o que quiser, e por isso farei o que bem entender”. p. 30

            Precisamos distinguir entre os dois significados do termo “Estado nacional”. No sentido tradicional, refere-se a um Estado territorial sobre o qual o povo que nele vive, a Nação, tem um poder soberano. Este é o sentido do Estado nacional que surgiu com a Revolução Francesa e, em parte, com a Revolução Americana. Trata-se de uma definição política, e não étnica ou lingüística, do Estado: é um povo que escolhe seu governo e decide viver sob determinada Constituição e determinadas leis.
            Em comparação, o outro significado do termo é muito mais recente e consiste na idéia de que todo Estado territorial pertence a um povo específico, definido por determinadas características étnicas, lingüísticas e culturais - e que isso constitui a Nação. Segundo essa idéia, apenas a Nação pertence ao Estado nacional, e todos os outros não passam de minorias que, embora vivam no mesmo local, não fazem parte da Nação. p. 30-31


            Os mitos nacionais são um outro campo no qual precisamos distinguir entre o que vem de baixo e o que é imposto de cima. Esses mitos não surgem espontaneamente das experiências efetivas da população. Trata-se de algo transmitido por outros: por livros, pelos historiadores, pelos filmes e, atualmente, pelos produtores dos programas de televisão. Em geral, os mitos nacionais não fazem parte da memória histórica ou de uma tradição viva, com exceção daqueles casos nos quais o que se tornou um mito nacional era um produto da religião. p. 32

            Por algum motivo, considera-se uma vantagem, do ponto de vista da psicologia social, ser capaz de orgulhar-se de uma longa história. É por isso que o nacionalismo, a despeito de ser um fenômeno recente, invariavelmente alega ser muito antigo.O motivo é que uma velhice venerável satisfaz a necessidade de permanência e o direito de precedência em relação aos outros. Trata-se, portanto, de um fenômeno extremamente complexo, o qual podemos explicar apenas por aproximações, pois não há nenhuma interpretação isolada convincente. p. 37


            Essa tendência dos Estados territoriais para ampliar a capacidade de exatidão, conhecimento, tecnologia, poder e ambição prosseguiu de modo quase ininterrupto, mesmo através do período da política de liberalismo mercantil, até o final da década de 1960. Dois exemplos me ocorrem.
            Um deles é o extraordinário êxito, no século XIX, de todos os principais Estados no sentido de desarmar suas populações. Em outras palavras, eles conseguiram transferir para seus próprios órgãos o monopólio dos meios de coerção. Antes disso, era mais fácil desarmar os camponeses do que os nobres. O próprio Maquiavel discute exaustivamente esse problema. No século XIX, é de fato notável como a maioria dos Estados consegue impedir que seus habitantes andem armados. Uma das raras exceções foram os EUA que, mesmo tendo condições para tal, preferiram não fazer isso. Mas no Canadá houve o desarmamento.
            O outro exemplo é a ordem pública, que é parte do mesmo fenômeno. O nível de ordem pública alcançado nos países europeus mais desenvolvidos é um fenômeno histórico extraordinário.
            Há ainda outro elemento, devido não tanto ao estabelecimento da democracia, e sim à participação das pessoas comuns no processo político: trata-se da lealdade e da subordinação voluntárias dos cidadãos ao seu governo. Esta não era uma lealdade às elites, mas ao Estado e à nação. As guerras baseadas no alistamento obrigatório não teriam sido possíveis sem isto. Cabe lembrar aqui o que Thomas Hobbes escreveu no século XVII: a única coisa que nenhum Estado, nem mesmo o Leviatã, pode fazer é obrigar as pessoas a matarem ou estarem dispostas a ser mortas. No entanto, os Estados modernos conseguiram fazer exatamente isso, e não poucas vezes. Embora muitas vezes tenham conseguido isso por meio do alistamento compulsório, também o fizeram apelando a cada cidadão e convencendo-o de que, se ele se identificasse com a coletividade, devia estar pronto para o ato supremo de abdicar de sua liberdade e de sua vida. A obediência voluntária ao Estado foi um elemento essencial na capacidade de mobilizar as populações, e também na de democratização.
            Esse processo desenrolou-se ao longo de séculos e alcançou seu ápice na década de 1960, quando todos os países do mundo, até mesmo os de capitalismo mais vançado, estruturaram-se sob a forma de Estados dotados dos mais amplos poderes. E isto vale sobretudo para os EUA. p. 41

            O poderio do Estado moderno alcançou seu ápice quando o protesto social foi de algum modo institucionalizado como parte do processo político normal, quase como um ritual. p. 42

            Uma das grandes questões que serão colocadas pelo século XXI é a da interação entre o mundo onde o Estado existe e aquele onde ele deixou de existir.
            Não podemos dizer se o mundo irá se tornar um local ainda mais difícil de ser administrado, por esse motivo ou pelo problema que mencionei antes, isto é, o fim da obediência das populações a seus governos. Durante a maior parte da história, sempre houve uma suposição generalizada de que os cidadãos obedeceriam a um governo efetivo, qualquer que fosse ele, e contasse ou não com a aprovação geral. Claro que, muitas vezes, o governo era respeitado por ser forte, mas, em outras, esse respeito baseava-se em uma idéia expressa por Hobbes, a de que qualquer governo eficaz é melhor que nenhum governo. p. 45


Em suma, o que gostaria de ressaltar é que a grande maioria dos povos no mundo aceitou a idéia de serem governados. p. 46

            Porém, de modo a explicar a distinção entre aparência e realidade, creio que precisamos reavaliar o que entendemos por “globalização”, e o que ela pode ou pretende alcançar. Vamos imaginar por um instante o estágio mais avançado de globalização: uma situação na qual todos os habitantes do planeta teriam, em qualquer local, acesso aos mesmos bens e serviços, supondo que tivessem os mesmos recursos e o mesmo dinheiro para gastar. Em outras palavras, viver na Antártida não seria mais problemático que viver em Roma ou Nova York. Se admitirmos que esses bens e serviços poderiam ser produzidos em volume suficiente para satisfazer toda a demanda, as pessoas não seriam afetadas por sua localização geográfica. Bem, ainda falta muito para chegarmos a esse ponto. Sobretudo por motivos práticos, pois as pessoas não dispõem dos mesmos recursos, algumas são ricas, outras são pobres, ou então o poder de que dispõem é desigual, ou, ainda, algumas são livres e outras estão em prisões. Isto, porém, nada tem a ver com a dimensão global: poderia ocorrer mesmo em uma cidade ou um país isolados e, portanto, não interessa aqui para os objetivos de nossa hipótese teórica.
            O problema é que, no caso de alguns produtos ou serviços, essa disponibilidade absoluta é impossível, mesmo em uma situação de total globalização. Os economistas estudaram esses “bens de prestígio” (positional goods) que, por sua própria natureza, existem em quantidades limitadas ou mesmo são coisas únicas. É possível assegurar que todos tenham o mesmo acesso à Coca-Cola, mas não a um ingresso para uma ópera no La Scala. Pela sua própria natureza, os ingressos para o La Scala são limitados, e não há maneira de produzir um número maior deles. Evidentemente, na prática poderíamos resolver o problema de outro modo: por exemplo, facilitando o acesso de todos por meio de discos com gravações das óperas montadas no La Scala. Mas não é a mesma coisa, tanto em termos teóricos como na realidade.
            Assim, em certo sentido, a globalização implica um acesso mais amplo, mas não equivalente para todos, mesmo em sua etapa teoricamente mais avançada. Do mesmo modo, os recursos naturais são distribuídos de forma desigual. Por tudo isso, acho que o problema da globalização está em sua aspiração a garantir um acesso tendencialmente igualitário aos produtos em um mundo naturalmente marcado pela desigualdade e pela diversidade. Há uma tensão entre esses dois conceitos abstratos. Tentamos encontrar um denominador comum acessível a todas as pessoas do mundo, a fim de que possam obter coisas que naturalmente não são acessíveis a todos. O denominador comum é o dinheiro, isto é, outro conceito abstrato.
            Ao mesmo tempo, o processo técnico da globalização requer um elevado grau de padronização e homogeneização. Um dos grandes problemas do século XXI será definir qual o nível máximo de homogeneidade, além do qual haveria uma reação aversiva, e em que medida esse processo pode ser compatibilizado com a diversidade presente no mundo. p. 74-75

            Minha impressão é que, daqui a meio século, quando se debruçarem sobre a nossa época, os historiadores provavelmente irão dizer que a última parte do breve século XX terminou com duas coisas: o colapso da URSS e a bancarrota do fundamentalismo neoliberal, que dominou as políticas governamentais a partir do final da Época de Ouro. A crise global de 1997-98 pode muito bem ser considerada o momento decisivo dessa virada. p. 80

            Não há nada mais natural que uma economia baseada na competição tenda para o monopólio. A competição capitalista leva a uma concentração de capital. p. 86

            Mas, de maneira geral, hoje a população mundial é três vezes maior do que no início do século XIX, e todas essas pessoas são fisicamente mais fortes, mais altas, mais saudáveis e vivem por mais tempo. Sofrem menos fome e necessidades, desfrutam de uma renda maior e têm um acesso incomparavelmente maior a bens e serviços, inclusive aqueles que garantem maiores oportunidades na vida, como a educação. Isto vale até mesmo para os países mais pobres. Afinal, não houve uma situação de fome na índia desde 1943. Em quase todo o mundo, afora algumas raras exceções, a fome deixou de ser algo com que os seres humanos são obrigados a conviver.
            Isto significa que, pela primeira vez, a produção pode ser posta em sintonia com as demandas da massa da população. Nos países desenvolvidos, os seres humanos já não vivem sob o signo da carência, e podem escolher entre as coisas que desejam, em vez de terem de escolher entre não ter o suficiente para comer e não ter um teto para se abrigar. Elas não precisam mais se preocupar com o pão de cada dia, e têm apenas de decidir se querem seus sanduíches com pão italiano ou croissant, presunto cru ou cozido e tomates secos ou frescos.
            Com isso, houve uma transformação da economia. Não só em termos dos bens materiais, mas também dos serviços. Basta considerar o acesso à cultura, a quantidade de livros e discos lançados, o número de pessoas que podem consumir entretenimento e informação a qualquer hora do dia. É a primeira vez que isso ocorre na história da humanidade.
            Nos países desenvolvidos, até os mais pobres e miseráveis vivem incomparavelmente melhor que seus antepassados. Eis aí uma das razões pelas quais o neoliberalismo do “livre-mercado” obteve tanto sucesso, ainda que temporário. Seu objetivo não era eliminar a pobreza ou promover a redistribuição da riqueza ou a difusão da justiça social, mas, apesar de toda a injustiça existente, os pobres tendem a aceitar a situação, pois até mesmo eles dispõem de mais recursos.
            Em suma, é imenso o crescimento da produção e da disponibilidade de riqueza, e a maior parte da humanidade acabou sendo beneficiada. Esta é uma característica do século XX que deve ser levada em conta quando se faz uma avaliação daquele que foi, ao mesmo tempo, o melhor e o pior de todos os séculos. Nele morreram mais pessoas do que em qualquer outro século, mas no seu final existem mais pessoas vivendo melhor, com esperanças e oportunidades maiores. p.96-97

            A grande novidade é que, de todos os fatores de produção, os seres humanos são cada vez menos necessários. E o motivo é que, em termos relativos, eles não produzem tanto quanto custam. Os seres humanos não foram criados para o capitalismo. E isso ocasiona efeitos negativos sobre a produção. O que, na minha opinião, temos de buscar é uma outra maneira de distribuir a riqueza produzida por uma quantidade cada vez menos de pessoas, que no futuro pode chegar a ser na verdade uma quantidade ínfima. p. 98

           
           O volume de riqueza hoje em mãos de alguns indivíduos é simplesmente assombroso. Em termos globais, a riqueza do 1% mais abastado do mundo é imensa. Como isso irá afetar a política? É difícil dizer. Nos EUA, já vimos que indivíduos particulares podem, com seus próprios meios, tanto financiar suas próprias campanhas à presidência como influir decisivamente na campanha de outros candidatos. Hoje, os ricos podem fazer aquilo que antes estava ao alcance apenas de grandes organizações coletivas. Não tenho certeza de que entendemos plenamente todas as implicações desse fenômeno. p. 100


            Evidentemente, houve várias fases na maneira pela qual a esquerda se distingui em relação à direita. No início, a esquerda lutou contra os governos monárquicos, absolutistas e aristocráticos, e em favor de instituições burguesas como o governos liberal e constitucional. Tratava-se, portanto, de uma esquerda moderada, mas que sempre esteve disposta a mobilizar as massas para seus objetivos políticos. Desde o começo de sua história, a esquerda estava pronta para se tornar revolucionária. [...]
            Durante grande parte do século XIX, portanto, a divisão era entre o partido da mudança e o da estabilidade, ou, em termos mais específicos, entre o partido do progresso e o partido da ordem. A esquerda estava do lado da mudança, e era favorável às transformações políticas e sociais. Na verdade, ainda usamos essa terminologia: até hoje as pessoas de esquerda continuam a se definir como “progressistas”.
            Essa unidade de intenções foi aos poucos erodida pelas mudanças na estrutura de classes da sociedade. A antiga aristocracia dirigente foi substituída ou dividiu o poder com a nova burguesia dominante, que não se opunha a certo grau de mudanças radicais. Assim, no século XX, e de maneira mais clara em sua segunda metade, alterou-se a natureza do conservadorismo. Ele deixou de ser apenas o partido da ordem e da estabilidade, e passou a apresentar aspectos novos.
            [...] Por isso, a tradicional diferença entre a direita e a esquerda, entre um partido da ordem e da estabilidade, e outro da mudança e do progresso, tornou-se inútil em termos conceituais. p. 102-104

            Desde a década de 1960, surgiu uma nova esquerda. O problema é que ela não possui base sólida em uma classe, tal como a esquerda operária, nem base eleitoral significativa. Ela nem sequer possui mais um projeto único. Vários dos movimentos que se consideram parte da esquerda tendem a se concentrar em questões muito específicas. p. 110


            Há outro aspecto na crise da esquerda: o declínio da política como instrumento confiável de transformação social. Tanto nos EUA como na Europa, as massas demonstram uma apatia cada vez maior em relação à política, não só em termos de participação ativa, mas até de mera disposição para votar. Elas parecem estar muito mais interessadas em seu extrato bancário, em suas férias e em seus jardins. A esquerda, por outro lado, é a própria encarnação da experiência coletiva da política e tem horror ao individualismo.

            Há outro fator ainda mais profundo que debilitou muito a esquerda. Em termos econômicos, trata-se da sociedade de consumi. Em termos intelectuais, é a identificação de liberdade e escolha individual, sem qualquer referência às conseqüências sociais. [...] O processo de privatização condiciona até mesmo o senso comum das pessoas e isto provocou um grande abalo na esquerda, que luta em favor de objetivos e persegue a justiça social. [...]
            A política democrática só existe em função e na mediada em que é possível organizar os indivíduos e fazer com que atuem coletivamente. Mas torna-se cada vez mais difícil mobilizar as pessoas; e isto vale para todos os movimentos políticos, não só para os partidos socialistas. p. 111


            Retrospectivamente, poderíamos dizer que o socialismo era um sonho utópico ou pouco mais que uma palavra de ordem, pois até a Revolução Russa nem mesmo a esquerda socialista havia considerado seriamente o que faria caso chegasse ao poder. Não havia nem sequer um debate sério sobre a maneira de socializar uma economia. Em geral supunha-se que ela poderia ser administrada pelo Estado com base no modelo proporcionado pelo capitalismo da época, no qual as atividades econômicas mais abrangentes já se encontravam nas mãos de organizações públicas. Em suma, a teoria socialista era uma crítica da realidade capitalista, e não um projeto efetivo para a construção de uma outra sociedade. p. 107


            A insegurança do emprego é uma nova estratégia para aumentar os lucros, reduzindo a dependência da empresa em relação à mão-de-obra humana ou pagando menos aos empregados. Na economia capitalista moderna, o único fator cuja produtividade não pode ser facilmente ampliada e cujos custos não podem ser facilmente reduzidos é o relativo aos seres humanos. Daí a enorme pressão para eliminá-los da produção [...]. p. 138



Não o assusta o poder da ciência? A possibilidade de clonar um ser humano, introduzir genes animais ou vegetais em um tomate; ou então a possibilidade de matar em uma guerra apenas acionando as teclas de um computador?

            Claro que me assusta. Não só pelo poder imenso que ela confere, mas também porque quase sempre os aprendizes de feiticeiros não sabem como usar esse poder. Se houvesse uma garantia de que as pessoas que tornam possível esse progresso também soubessem o que fazer com ele, como usá-lo em benefício da humanidade ou quando não usá-lo, então eu ficaria mais tranqüilo. Mas essa garantia não existe. Forças naturais imensas estão sendo manipuladas e nem sempre elas são perfeitamente conhecidas. E não há nenhuma regra ou instituição que diga o que fazer e o que não fazer. A única regra proporcionada pelo livre mercado, a otimização do crescimento econômico e do lucro, quase certamente irá produzir efeitos negativos. p. 151


            Claro que existem bons motivos econômicos para esse tipo de desenvolvimento. O turismo, por exemplo, Pode-se explicar aos povos africanos que seria melhor que não matassem os rinocerontes e os gorilas pois poderiam obter mais dinheiro com os turistas que viriam fotografá-los. Desse modo, alguns tentarão transformar certas partes do mundo em gigantescos parques temáticos. Mas será que isso é de fato possível em âmbito global? Será isso feito também para certos povos que de outro modo não sobreviveriam, tal como os animais? Não estou exagerando, essa é a discussão que vem ocorrendo em relação às tribos indígenas da floresta amazônica. A questão de como administrar o meio ambiente está cada vez mais deixando de ser um problema teórico e se tornando algo prático, exigindo respostas específicas. [...]
            Creio que, no século XXI, precisamos aprender a ver grandes partes do mundo tal como de fato são: ambientes semi-artificiais.[...]
            Em suma, devemos meter na cabeça que alterar a face da Terra não é algo que necessariamente leva a um desastre total. O meio ambiente pode ser modificado horizontalmente, e não apenas por drásticas oscilações verticais entre o bom e o ruim. p. 182-183


Devo admitir que qualquer compromisso político ou religioso, sempre que verdadeiro e intenso, tende a impor - não diria obrigações - mas uma predileção ou um preconceito favorável ao avanço da causa pela qual lutamos. Você percebe isso quando vê a própria relutância em criticá-la, quando reluta em aplicar a ela a mesma inteligência crítica com que costuma julgar outras causas. p. 189


[...] se os homens não cultivam o ideal de um mundo melhor, eles perdem algo. Se o único ideal dos homens é a busca da felicidade pessoal, por meio do acúmulo de bens materiais, a humanidade é uma espécie diminuída.

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segunda-feira, 2 de maio de 2011

Edgar Allan Poe

Edgar Allan Poe [EUA: 1809 - 1849]
'Realmente pobre e no limiar dos quarenta, alucinado por incessantes delírios e com os nervos já em farrapos, temido e desprezado - assim encerrava Edgar Allan Poe a existência amargurada'. Sua vida foi, pois, tão ou mais sombria do que sua obra. Mas é vício humano não valorizar o que é de seu tempo, sempre voltando os olhos em glória ao passado.
Poe foi um dos primeiros escritores - e talvez um dos fundadores - do gênero literário de ficção científica e fantástico. Também foi um dos precursores da literatura policial. Suas obras sempre oscilalando entre esses gêneros, mostrando um enorme talento intelectual.
Destinarei, então, este post para as melhores obras do Edgar Allan Poe, na minha humilde opinião, claro. Conforme eu for lendo, vou acrescentando aqui.
O Poe, apesar de ter sua morbidez sobrenatural, também se atém muito a racionalidade, e aos jogos de lógica, ou seja, mistérios que parecem absurdos e insolúveis, mas que posteriormente, através de uma análise atenta e detalhada, são desvendados pelo raciocínio lógico. 
Os livros dele geralmente aparecem como coletâneas reunindo algumas das histórias do autor. Então algumas se repetem em livros diferentes. A coletânea que li por último foi 'Assassinatos da Rua Morgue & outras histórias':

Entre as histórias e contos mais interessantes, por enquanto, figuram as seguintes:

- O barril de amontillado;
- O coração delator;
- A carta roubada;
- O escaravelho de ouro;
- Os assassinatos da Rua Morgue.



A seguir alguns trechos:


Os assassínios da Rua Mogue:

Há bem poucas pessoas que não tenham, em qualquer momento de sua vida, procurado divertir-se voltando pelo mesmo caminho pelo qual chegaram a certas conclusões de suas próprias idéias. Este trabalho é, não poucas vezes, muito interessante e quem o tenta pela primeira vez fica admirado com a distância ilimitada e com a aparente incoerência que há entre o início e o fim do próprio raciocínio. p. 22

Talvez pudesse ver um ou dois pontos com notável clareza, mas com isso perdia, inevitavelmente, de vista o caso em sua totalidade. Isso acontece quando somos exageradamente profundos. A verdade não está sempre dentro de um poço. p. 33

O mistério de Maria Roget:

[...] e, como nós continuamos a ocupar os nossos quartos, entregamos o futuro aos ventos, dormitamos tranquilamente no presente, e transformamos em sonhos o mundo insosso que há ao nosso redor. p. 64



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