quarta-feira, 21 de outubro de 2020

. terror .

 

Não há prazer como o terror. Se fosse possível sentar-se sem ser visto entre duas pessoas em qualquer trem, sala de espera ou escritório, a conversa ouvida rondaria uma e outra vez sobre este tema. Poderia parecer que se tratava de um assunto completamente distinto: a situação do país, um bate-papo despreocupado sobre as mortes na estrada, o aumento dos preços dos dentistas, mas pondo a nu a metáfora, a insinuação, ali, encerrada no coração do discurso, encontra-se o terror. Enquanto aceitamos sem discussão a natureza de Deus e a possibilidade de vida eterna, ruminamos alegremente as minúcias da miséria. A síndrome não tem limite, tanto nos banheiros como nas salas de aula, se repete o mesmo ritual. Com a inexorabilidade de uma língua que se retorce para explorar um dente dolorido, voltamos uma, duas ou mil vezes a nossos medos, nos sentando para discutir sobre eles com a impaciência de um homem faminto ante um prato cheio e fumegante.

Não há prazer como o terror. Enquanto ele for de outros.


Clive Barker, Livros de Sangue 1, 1984.