domingo, 2 de fevereiro de 2020

O Irlandês (2019)


Desculpem-me, mas já adianto que esse texto não vai lamber as bolas do Scorsese. Ouvi tanto sobre esse filme, todos passando pano, que já estava me sentindo culpada por não ter assistido. Até que enfim resolvi começar a empreitada de 3 horas e 29 minutos. Não consegui ver tudo num talagaço só, demorei três dias pra concluir essa dose cavalar de testosterona na veia. 


Houve uma época em que eu gostava desse tipo de filme. Vi muitos deles, que praticamente não diferem em nada entre si - inclusive nem os atores! - Era uma vez na América (1984), Cassino (1995), Scarface (1983), Fogo Contra Fogo (1995), Os Bons Companheiros (1990), Os Infiltrados (2006), Desafio no Bronx (1993), a trilogia de O Poderoso Chefão (72,74 e 90), com certeza muitos mais que não me recordo agora, e muitos mais que não cheguei a ver. Alguns biográficos, outros baseados em fatos reais. 

Como eu disse, houve um tempo em que olhei muito e gostava desses filmes. Continuo reconhecendo suas qualidades de roteiro, atuações impecáveis, fotografia, reconstituição histórica, etc. São bons filmes. Inclusive O irlandês. As atuações do Pacino, do De Niro e do Pesci estão demais, mesmo com o auxílio de toda a maquiagem para as transições de idade. 
Contudo, alguma coisa dentro de mim já não tem mais paciência, e acha incrivelmente previsível essas tramas: Crime organizado, corrupção política, traições, grandes esquemas de lavagem de dinheiro e, claro, muita violência. Eu sei que em grande medida eles refletem aspectos da realidade, e isso é o que mais me incomoda: grande parte dos problemas do mundo está intimamente ligado à essa lógica masculina de comportamento. No fim, tudo se resume a conflitos criminosos e extremamente narcisistas.

Hoje em dia tenho uma sensibilidade muito diferente para filmes, e acho esses filmes carregados de testosterona desconfortáveis, rasos e maçantes. Por mais que ao final a moral seja sempre "o crime não compensa", há algo extremamente apelativo na forma como a violência é mostrada, as armas, os tiros, os assassinatos e o poder que deles emana. Não venham me dizer que no final não ficaram com pena do Frank. Não venham me dizer que não romantizaram a figura de um assassino frio, como sendo um cara fodão. A estética do crime e da violência tem um apelo muito forte dentro de nós. Na maior parte do tempo a história nos inspira simpatia pelo Frank, glamouriza o universo do crime, e é isso que me causa extremo desconforto e reflexão. 

Nunca os atributos "filme masculino" ou "filme carregado de testosterona" fez tanto sentido, afinal, notaram que praticamente não há falas das personagens femininas? Mesmo a personagem da Anna Paquin, que é quem traz o elemento de crítica do filme, praticamente não abre a boca. E o que quero dizer com isso não é que o filme deveria ou não ter mais voz feminina, mas justamente fazer perceber o quão masculino é esse universo.

Esse tipo de filme não é mérito do Scorsese. Ele fez muitos filmes bons que fogem dessa trama. 

Se você queria assistir O Irlandês, assista, é um bom filme. Mas quiçá meu texto faça com que você perceba essas nuances e reflita sobre a perspectiva que expus aqui. Se isso acontecer já me dou por satisfeita.