quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Dean R. Koontz - Lágrimas do Dragão, 1993

Um dos aspectos mais interessantes deste livro é que toda a história se passa num período que compreende menos de 24 horas e, por isso mesmo, ele acaba sendo muito dinâmico. O autor vai costurando retalhos da história de cada personagem  até o momento em que suas vidas finalmente se encontram - numa conclusão realmente enervante. Assediados por aparições de um ser com poderes sobrenaturais, os personagens vivem um verdadeiro terror psicológico nas mãos de um lunático que pensa estar se tornando o novo Deus "castigador" e purificador da humanidade. Confusos, eles tentarão entender a natureza do que se passa. No limiar entre a loucura e uma nova realidade totalmente assustadora, eles enfrentarão uma frenética corrida contra o tempo na luta pela sobrevivência.
Com descrições de arrepiar e causar enjoos, o livro é uma obra de terror das melhores, escrita por um autor já consagrado no ramo.

KOONTZ, Dean. Lágrimas do dragão. Rio de Janeiro: Record, 1995. 383 p.


Os jornalistas eletrônicos nem sempre têm motivos lógicos ou justificativas verossímeis para dizer e fazer algumas das coisas que dizem e fazem. Para muitos deles, relatar as notícias não é um compromisso sagrado nem um serviço público, é show business, onde luzes e estardalhaço são mais necessários que fatos e números. p. 93

Um esbarrão com a morte era um grande esclarecedor de pensamentos e sentimentos. p. 94

A vida é engraçada. Tantas conexões com outras pessoas, das quais nem fazemos idéia, fios invisíveis nos ligando a gente que há muito esquecemos e a alguns que não encontraremos durante anos - se é que encontraremos algum dia. p. 120

“Algumas vezes a vida pode ser amarga como lágrimas de dragão. Mas se as lágrimas de dragão são amargas ou doces depende inteiramente de como cada homem percebe o gosto”. Em outras palavras, a vida é dura, até mesmo cruel, mas também é aquilo que você faz dela. p. 120

Elementos criminosos, sociopatas. Eles têm um monte de nomes. Como as pessoas feitas de vagens, em Invasores de Corpos, eles andam entre nós e passam por seres humanos comuns, civilizados. Mas mesmo havendo muitos, ainda são uma pequena minoria, e são qualquer coisa, menos comuns. Sua civilização é um verniz, maquiagem teatral escondendo o selvagem escamoso e rastejante do qual evoluímos, a antiga consciência reptiliana. p. 143

Esses são os anos noventa, o cotilhão do pré-milênio, a nova Idade das Trevas, quando qualquer coisa pode acontecer e geralmente acontece, quando o impensável não é comente pensável, mas aceito, quando cada milagre da ciência é contrabalançado por um ato de barbárie humana que não faz praticamente ninguém erguer a sobrancelha. Cada realização tecnológica brilhante é contrabalançada por mil atrocidades de ódio e estupidez humana. Para cada cientista que busca a cura do câncer existem cinco mil facínoras querendo marretar o crânio de uma senhora de idade até transformá-lo em suco de maçã, só pelos trocados que ela tem na bolsa. p. 148

Quando varrido pela tempestade,
abrace o caos.
 p. 165

A verdade é que ele achava difícil admitir que amava qualquer pessoa, homem ou mulher, até mesmo seus pais, porque o amor era uma coisa muito complicada. Implicava obrigações, compromissos, envolvimentos, troca de emoções. Quando você admitia que amava pessoas, tinha de deixá-las entrar mais profundamente em sua vida, e elas traziam todos os seus hábitos confusos, seus gostos promíscuos, suas opiniões turvas e suas atitudes desorganizadas. p. 191

Hoje em dia, se sua vida se ferra, se você fracassa com a família e os amigos, nunca é culpa sua. Você é um bêbado? Bom, talvez seja uma predisposição genética. É um adúltero compulsivo, tem cem parceiros sexuais por ano? Talvez não tenha se sentido amado na infância, talvez seus pais nunca lhe tenham dado todo o carinho que você precisava. Tudo isso é besteira.
Você arrebenta a cabeça de um balconista ou espanca uma senhora até a morte em troca de vinte pratas? Bom, você não é um mau sujeito, não tem culpa! Seus pais é que têm culpa, a sociedade é que tem culpa, toda a cultura ocidental tem culpa, mas não você, nunca você, que idiotice sugerir uma coisa dessas, que insensatez, que coisa mais fora de moda!
Você pode abandonar a esposa e os filhos sem pagar pensão às crianças, roubar milhões de seus investidores, transformar em geléia o cérebro de um cara só porque ele é gay ou se mostrou desrespeitoso com você, jogar o bebê no incinerador de lixo porque tem outras idéias sobre a alegria de ser mãe, fraudar os impostos, o seguro social, vender drogas a crianças da escola primária, abusar da própria filha e mesmo assim dizer que você é a vítima. Todo mundo é vítima hoje em dia. Ninguém é agressor. Não importa a atrocidade que você cometa, pode implorar simpatia, reclamar que é vítima de racismo, de racismo às avessas, de sexismo, preconceito de idade, de classe, preconceito contra pessoas gordas, pessoas feias, pessoas burras, pessoas inteligentes. Por isso roubou bancos ou explodiu a cabeça daquele tira, porque é uma vítima, há milhões de modos de ser vítima. É, certo, você desvaloriza as reclamações honestas das vítimas de verdade, mas que diabo, a gente só vive uma vez, é preciso participar da ação e, afinal de contas, quem se importa com aquelas vítimas de verdade? Pelo amor de Deus, eles são perdedores.

p. 205 -206

Sob a casca dura de cinismo que alimentara com tanto amor durante tanto tempo, ela evidentemente guardava, como qualquer pobre-diabo do mundo, a esperança de que era diferente e que viveria para sempre. p. 287

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Aldous Huxley - Admirável mundo novo, 1932


Ando relendo alguns livros, lendo-os com os olhos de hoje que são realmente bastante distintos dos de ontem, e assim o serão dos de amanhã. É absolutamente impressionante como nossas impressões mudam a respeito das mesmas leituras. Esse livro se mostrou completamente diferente. Li pela primeira vez durante minha adolescência e admiti um sentido totalmente diverso para a obra. Inspiração de rebeldia contra o sistema, de inconformação, de rejeição dos papéis sociais, dos dogmas. Me colocava, então, como uma operária indignada por ser manipulada, revoltosa pela realidade plástica.
Hoje, muito diferente, muito. Não digo que concordaria com uma sociedade como a que Aldous nos coloca - longe disso -, mas desta vez acabei refletindo sobre mil e uma outras coisas daquele modelo social em relação ao caos e degradação em que vivemos na sociedade de hoje. Vi, sim, muitos aspectos positivos, e, claro, mantenho minha resistência quanto ao condicionamento. Mas e por que mantenho essa resistência? Essa segunda leitura fez com que me questionasse sobre isso. De qualquer forma, algumas questões que ficam: o que é de fato liberdade? que liberdade é essa proclamada e defendida da qual tanto nos gabamos,  e pela qual  oferecemos impulsiva resistência ao mundo de condicionamento sistemático e aberto que Huxley nos mostra? que moralidade é essa que faz com que o Estado Mundial nos escandalize tanto? não estamos nós a defender uma liberdade que não existe? e, pior, não estamos nós, através de uma negação moralista, a alimentar um condicionamento muito pior, um condicionamento mascarado, velado, que incorre violentamente para a miséria dos seres humanos de nossa era?
 

HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. São Paulo: Globo, 2003. 314 p.


Lema do Estado Mundial: Comunidade, Identidade, Estabilidade.

Considerem o cavalo. - Os rapazes o consideraram. - Maduro aos seis anos; o elefante, aos dez. Enquanto, aos treze anos, um homem ainda não está sexualmente amadurecido, e não é adulto antes dos vinte anos. Daí, naturalmente, esse fruto do desenvolvimento
retardado: a inteligência humana. p. 23

- E esse é o segredo da felicidade e da virtude: amarmos o que somos obrigados a fazer. Tal é a finalidade de todo o condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social de que não podem escapar. P. 24-25

Aqueles que se sentem desprezados fazem bem em ostentar um ar de desprezo. P. 47

Estabilidade. Estabilidade. Não há civilização sem estabilidade social. Não há estabilidade social sem estabilidade individual. P. 55

Cada um pertence à todos. P. 56

As palavras podem ser como os raios x, se as usarmos adequadamente: penetram em tudo. A gente lê e é trespassado. P. 87

Porque tinha tantas coisas insensatas e excruciantes pelas quais podia exaltar-se. É preciso estar ferido e perturbado sem o que não se acham as expressões verdadeiramente boas, penetrantes, as frases de raios x. p. 224

“Um homem envelhece; percebe em si mesmo aquela sensação radical de fraqueza, de atonia, de mal-estar que acompanha o avançar da idade; e, sentindo-se assim, julga estar apenas doente, aquieta seus temores com a idéia de que esse estado penoso é devido a alguma causa particular, da qual espera curar-se como de uma moléstia. Vãs imaginações! A moléstia é a velhice; e trata-se de uma doença horrível. Dizem que é o medo da morte, e do que vem depois da morte, que leva os homens a se voltarem para a religião à medida que os anos se acumulam. Todavia, a experiência pessoal me trouxe a convicção de que, completamente à parte de tais temores e imaginações, o sentimento religioso tende a desenvolver-se porque, à medida que as paixões se acalmam, que a fantasia e a sensibilidade vão sendo menos excitadas e menos excitáveis, a razão é menos perturbada em seu exercício, menos obscurecida pelas imagens, desejos e distrações que a absorviam; então Deus emerge como se tivesse saído de trás de uma nuvem; nossa alma vê, sente a fonte de toda luz, volta-se natural e inevitavelmente para ela; porque, tendo começado a esvair-se dentro de nós tudo aquilo que dava ao mundo das sensações sua vida e seu encanto, não sendo mais a existência material sustentada por impressões externas e internas, sentimos a necessidade de nos apoiarmos em algo que permaneça, que nunca nos traia – uma realidade, uma verdade, absoluta e eterna. Sim, voltamo-nos inevitavelmente para Deus; pois esse sentimento religioso é por natureza tão puro, tão delicioso para a alma que o experimenta, que compensa todas as nossas outras perdas”. P. 282-83

Os deuses são justos. Sem dúvida. Mas o seu código de leis é ditado, em última instância, pelas pessoas que organizam a sociedade; a Providência recebe a palavra de ordem dos homens. P. 286

- Mas Deus é a razão de ser de tudo o que é nobre, belo, heróico. Se tivesse um Deus...
- Meu jovem amigo, a civilização não tem nenhuma necessidade de nobreza ou de heroísmo. Essas coisas são sintomas de incapacidade política. Numa sociedade convenientemente organizada como a nossa, ninguém tem oportunidade para ser nobre ou heróico. É preciso que as coisas se tornem profundamente instáveis para que tal oportunidade possa apresentar-se. Onde houver guerras, onde houver obrigações de fidelidade múltiplas e antagônicas, onde houver tentações a que se deva resistir, objetos de amor pelos quais se deva combater ou que seja preciso defender, aí, evidentemente, a nobreza e o heroísmo terão algum sentido. Mas não há guerras em nossos dias. Toma-se o maior cuidado em evitar amores extremados seja por quem for. Não há nada que se assemelhe a obrigações de fidelidade antagônicas; todos são condicionados de tal modo que ninguém pode deixar de fazer o que deve. E o que se deve fazer é, em geral, tão agradável, deixa-se margem a tão grande número de impulsos naturais, que não há, verdadeiramente, tentações a que se deva resistir. E se alguma vez, por algum acaso infeliz, ocorrer de um modo ou de outro qualquer coisa de desagradável, bem, então há o soma, que permite uma fuga da realidade. E sempre há o soma para acalmar a cólera, para nos reconciliar com os inimigos, para nos tornar pacientes e nos ajudar a suportar os dissabores. No passado, não era possível alcançar essas coisas senão com grande esforço e depois de anos de penoso treinamento moral. Hoje, tomam-se dois ou três comprimidos de meio grama e pronto. Todos podem ser virtuosos agora. Pode-se carregar consigo mesmo, num frasco, pelo menos a metade da própria moralidade. O cristianismo, eis o que é o soma. p. 287-88

- Mas eu gosto dos inconvenientes.
- Nós, não. Preferimos fazer as coisas confortavelmente.
- Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade. Quero o pecado.
- Em suma – disse Mustafá Mond -, o senhor reclama o direito de ser infeliz.
- Pois bem, seja – retrucou o Selvagem em tom de desafio. – Eu reclamo o direito de ser infeliz.
- Sem falar no direito de ficar velho, feio e impotente; no direito de ter sífilis e câncer; no direito de não ter quase nada que comer; no direito de ter piolhos; no direito de viver com a apreensão constante do que poderá acontecer amanhã; no direito de contrair a febre tifóide; no direito de ser torturado por dores indizíveis de toda espécie.
Houve um longo silêncio.
- Eu os reclamo todos – disse finalmente o Selvagem.
Mustafá Mond deu de ombros.
- À vontade – respondeu.
p. 291