quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Ressurreição - Machado de Assis, 1872

Um dos meus xodós literários. Esse é o primeiro romance publicado do autor. Já havia publicado poesia. Mas história romanceada é a primeira. Eu sou suspeita pra falar do Machado de Assis, simplesmente amo, sua retórica, seus enlaces, suas tramas, visceralmente humanos. Pra quem gosta de uma boa história à moda antiga, século XIX, é um livro curto que diz muito sobre a alma humana. É impossível não se identificar com algum, com alguns ou com todos os sentimentos que o autor disseca com tamanha propriedade que chega a fazer com que conheçamos à nós mesmos de maneiras diferentes a cada página. 



ASSIS, Machado de. Ressurreição. São Paulo: Saraiva, 1962. 159 p.


“O que eu peço à crítica vem a ser – intenção benévola, mas expressão franca e justa. Aplausos, quando os não fundamenta o mérito, afagam certamente o espírito e dão algum verniz de celebridade; mas quem tem vontade de aprender e quer fazer alguma coisa, prefere a lição que melhora ao ruído que lisonjeia. ” Advertência da primeira edição de Ressurreição, 1872.

“Parecia que toda a natureza colaborava na inauguração do ano. Aqueles para quem a idade já desfez o viço dos primeiros tempos, não se terão esquecido do fervor com que esse dia é saudado na meninice e na adolescência. Tudo nos parece melhor e mais belo, fruto da nossa ilusão, - e alegres com vermos o ano que desponta, não reparamos que ele é também um passo para a morte”. p. 5

“- Cecília, disse o doutor deitando fora o charuto apenas encetado, eu tenho a infelicidade de não compreender a felicidade. Sou um coração defeituoso, um espírito vesgo, uma alma insípida, incapaz de fidelidade, incapaz de constância. O amor para mim é o idílio de um semestre, um curto episódio sem chamas nem lágrimas”. Félix, p. 14

“O choro pertence ao cerimonial da separação”. Félix, p. 15

“Há amigos de oito dias e indiferentes de oito anos”. Meneses, p. 17.

“-Demais, continuou o doutor, animado pelo entusiasmo da viúva, a quadrilha francesa é a negação da dança, como o vestuário moderno é a negação da graça, e ambos são filhos deste século, que é a negação de tudo”. Félix, p. 26.

“Pela primeira vez Félix a conhecia, porquanto apenas a tinha visto duas vezes, e não basta ver uma mulher para a conhecer, é preciso ouvi-la também; ainda que muitas vezes basta ouvi-la para a não conhecer jamais”. p. 28

“É um pobre rapaz, inocente e singelo, que vai buscar as regras da vida nos compêndios da imaginação. Maus livros, não lhe parece?” Félix sobre Meneses, p. 38.

“A confiança também se parece com a indiferença, e a indiferença é o pior de todos os males”. Lívia à Félix, sobre seu ciúme, p. 61.

“- Amava-me, creio, mas não entendíamos o amor do mesmo modo; tal foi o meu doloroso e tardio desencanto. Para mim era um êxtase divino, numa espécie de sonho em ação, numa transfusão absoluta de alma para alma; para ele o amor era um sentimento moderado, regrado, um pretexto conjugal, sem ardores, sem asas, sem ilusões... Erraríamos ambos, quem sabe?” Lívia sobre seu falecido marido, p. 76.

“- Não me caíram as ilusões como folhas secas que um débil sopro desprega e leva, foram-me arrancadas no pleno vigor da vegetação. Não me deixaram essas doces recordações, que são para as almas enfermas como que uma aura de vitalidade. Meu espírito ficou árido e seco. Invadiu-me então uma cruel misantropia, a princípio irritada e violenta, depois melancólica e resignada. Calejou-me a alma a pouco e pouco, e o meu coração literalmente morreu”. Félix, p. 78/79.

“Nem futuro nem esperanças havia; havia a candura dele, que era botão de flor, ainda entrefechado à corrupção da vida”. Sobre Meneses, p. 84.

“E se eu esperar que algum dia soe a hora da felicidade que me nega? Nada depende de nós; os próprios movimentos do coração parecem nascer de mil circunstâncias fortuitas, se não é que os rege uma lei misteriosa, e essa... Quem sabe? Um dia, talvez, - ouso crê-lo, - um dia sentirá que a simpatia que lhe inspiro se transforma, e...” Meneses à Lívia, p. 87.
“O amor não é isso que o senhor diz; não nasce de uma circunstância fortuita, nem de uma longa intimidade, é uma harmonia entre duas naturezas, que se reconhecem e completam. Por mais semelhante que seja o nosso espírito, sinto que Deus não nos fez para que o amor nos unisse”. Lívia em resposta a Meneses, p. 88.

“A um coração desenganado não há imediatamente compensações possíveis nem eficazes consolações”. p. 88

“Concentraste então toda a seiva do teu coração neste amor silencioso e quimérico? Não digas isso; amarás mais tarde a outro que te amará também, e serás feliz, creio eu. Murchará esta primeira flor do teu coração, mas, há seiva nele para dar vida a outra flor, tão bela talvez, e com certeza mais afortunada. O contrário Raquel, seria injustiça de Deus. O amor é a lei da vida, a razão única da existência. Encher de uma só vez a alma, sem que ninguém lhe beba o licor divino, e regressar ao céu sem ter conhecido a felicidade na terra, nem o quererá Deus, nem o temerás tu.  Falas pela boca da tua amargura de hoje; espera a ação do tempo, que é bom amigo”. Lívia à Raquel, p. 108.

“O mal que nos não espanta não nos dói contudo menos por isso”. p. 122

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