segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Todos os nomes - José Saramago, 1997

    Saramago é sempre Saramago. Mas é difícil falar sobre um autor né? Esses tempos estava olhando uma entrevista do Saramago, no programa Roda Viva, de 1997. Achei curiosamente absurdo como os “entrevistadores” faziam perguntas ao mesmo tempo que afirmavam veredictos sobre o caráter do nosso autor. O Saramago, como gênio que foi (e que continua a ser através de sua magnífica obra) de forma muito elegante sempre tentava explicar da maneira mais pacienciosa do mundo. Mas realmente fiquei com vergonha pelo povo brasileiro de ver verdadeiros bobalhões fazendo perguntas tolas, do tipo, “Saramago, eu vejo que nesses seus últimos livros você faz uma espécie de provocação, uma birra com Deus, é isso?”. Porra né. Saramago foi ateu, ele se utiliza do sarcasmo e da ironia quando fala de Deus, lançando luz à forte sustentação da sua falta de fé professa. Na resposta educada do autor ele tenta dizer, em síntese, que não poderia se colocar na posição de provocador de Deus, pois não cria nele. Meio óbvio né? E assim foi quase todo o debate, com perguntas desse tipo, salvos alguns entrevistadores que formularam coisas melhores. (Para quem quiser assistir a entrevista aqui vai o link: http://tvcultura.com.br/rodaviva/programa/PGM0584).
    Mas enfim, eu adorei esse livro. Ele trata de uma excêntrica história de amor. Trata também, e mais uma vez, das sensibilidades e das contradições da alma humana. Um funcionário de um arquivo subitamente se vê vítima de uma verdadeira obsessão pelo verbete de determinada mulher. Dali em diante ele empreende uma verdadeira cruzada para saber tudo o que puder sobre aquela mulher. Suas descobertas vão se tornando tanto mais intrigantes quanto mais surpreendentes.

SARAMAGO, José. Todos os nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 279 p.

Em todo o caso não seria justo esquecer as dificuldades dos vivos. É mais do que certo e sabido que a morte, quer por incompetência de origem quer por má-fé adquirida na experiência, não escolhe as suas vítimas consoante a duração das vidas que viveram, procedimento este, aliás, entre parêntesis se diga, que, a dar crédito à palavra das inúmeras autoridades filosóficas e religiosas que sobre o tema se pronunciaram, acabou por produzir no ser humano, reflexamente, por diferentes e às vezes contraditórios caminhos, o efeito paradoxal duma sublimação intelectual do temor natural da morte. p. 15-16

O Sr. José tem o louvável pudor daqueles que não andam por aí a queixar-se dos seus transtornos nervosos e psicológicos, autênticos ou imaginados [...].p. 22

[...] é por de mais sabido que o espírito humano, muitas vezes, toma decisões cujas causas mostra não conhecer, sendo de supor que o faz depois de ter percorrido os caminhos da mente com tal velocidade que depois não é capaz de os reconhecer e muito menos reencontrar. p. 24

[...] de facto não há nada que mais canse uma pessoa que ter de lutar, não com o seu próprio espírito, mas com uma abstração. p. 27
A prudência tentava retê-lo, segurá-lo pela manga, mas como toda a gente sabe, ou devia saber, a prudência só é boa quando  se trata de conservar aquilo que já não interessa [...]. p. 35

Quanto aos pensamentos metafísicos, meu caro senhor, permita-me que lhe diga que qualquer cabeça é capaz de os produzir, o que muitas vezes não consegue é encontrar as palavras. p. 39

Em rigor, não tomamos decisões, são as decisões que nos tomam a nós. p. 42

Quem somo nós para falar de conseqüências, se da fila interminável delas que incessantemente vêm caminhando na nossa direcção apenas podemos ver a primeira. p. 48

[...] perdoa-se porque se ama, ama-se porque se perdoa [...]. p. 63

[...] no casamento existem três pessoas, há a mulher, há o homem, e há o que chamo a terceira pessoa, a mais importante, a pessoa que é constituída pelo homem e pela mulher juntos, se um dos dois comete adultério, por exemplo, o mais ofendido, o que recebe o golpe mais fundo, por muito incrível que isto lhe pareça, não é o outro, mas esse outro outro que é o casal, não é o um, mas o dois [...]. p. 63-64

Entre matar e deixar morrer, preferi matar. p. 65

[...] é o que sucede quando assistimos a uma conversa e não prestamos atenção, sempre o mais importante nos escapa. p. 66

[...] deve haver na minha cabeça, e seguramente na cabeça de toda a gente, um pensamento autônomo que pensa por sua própria conta, que decide sem a participação do outro pensamento, aquele que conhecemos desde que nos conhecemos e que tratamos por tu, aquele que se deixa guiar por nós para nos levar aonde cremos que conscientemente queremos ir, mas que, afinal de contas, poderá ser que esteja a ser conduzido por outro caminho, noutra direcção, e não para a esquina mais próxima, onde um bando de perdizes nos espera sem que o saibam, mas sabendo nós, enfim, que o que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca e que é preciso andar muito para alcançar o que está perto. p. 68-69

[...] também os pássaros cantam e não sabem porquê. p. 71

[...] o princípio de um desenho como o de todas as vidas, feito de linhas quebradas, de cruzamentos, de intersecções, mas nunca de bifurcações, porque o espírito não vai a lado nenhum sem as pernas do corpo, e o corpo não seria capaz de mover-se se lhe faltassem as asas do espírito. p. 74

[...] as vidas são como os quadros, precisaremos sempre de olhá-los quatro passos atrás, mesmo se um dia chegamos a tocar-lhes a pele, a sentir-lhes o cheiro, a provar-lhes o gosto. p. 74

Provavelmente, quanto maior é a diferença, maior será a igualdade, e quanto maior é a igualdade, maior a diferença será. p. 97

[...] nunca se sabe, tantas têm sido as vezes na vida que uma pequena viração acabou em furacão destruidor. p. 116

O diálogo fora difícil, com alçapões e portas falsas surgindo a cada passo, o mais pequeno deslize poderia tê-lo arrastado a uma confissão completa se não fosse estar o seu espírito atento aos múltiplos sentidos das palavras que cautelosamente ia pronunciando, sobretudo aquelas que parecem ter um sentido só, com elas é que é preciso mais cuidado. Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca foram a mesma coisa, o significado fica-se logo por aí, é direto, literal, explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por assim dizer, ao passo que o sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direcções irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderem de vista, o sentido de cada palavra parece-se com uma estrela quando se põe a projectar marés vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições. p. 134-135

A solidão, Sr. José, declarou com solenidade o conservador, nunca foi boa companhia, as grandes tristezas, as grandes tentações e os grandes erros resultam quase sempre de se estar só na vida, sem um amigo prudente a quem pedir conselho quando algo nos perturba mais que o normal de todos os dias. p. 141

Eu, triste, o que se chama propriamente triste, senhor, não creio que o seja, talvez minha natureza seja um pouco melancólica, mas isso não é defeito [...]. p. 141

[...] a melhor maneira de defender os segredos próprios ainda é guardar respeito aos segredos alheios. p. 147-148

[...] a pele é tudo quanto queremos que os outros vejam de nós, por baixo dela nem nós próprios conseguimos saber quem somos. p. 157

A sabedoria dos tectos é infinita, Se és um tecto sábio, dá-me uma idéia, Continua a olhar para mim, às vezes dá resultado. p. 157

Homem, não tenhas medo, a escuridão em que estás metido aqui não é maior do que a que existe dentro do teu corpo, são duas escuridões separadas por uma pele, aposto que nunca tinhas pensado nisto, transportas todo o tempo  de uma lado para outro uma escuridão, e isso não te assusta, [...] meu caro, tens que aprender a viver com a escuridão de fora como aprendeste a viver com a escuridão de dentro. p. 177

[...] o tempo psicológico não corresponde ao tempo matemático. p. 179

[...] as velhas fotografias enganam muito, dão-nos a ilusão de que estamos vivos nelas, e não é certo, a pessoa para quem estamos a olhar já não existe , e ela, se pudesse ver-nos, não se reconheceria em nós. p. 181

[...] o que eu havia dito não passava duma frase de efeito, oca, dessas que parecem profundas e não têm nada dentro. p. 199

[...] a memória, que é susceptível e não gosta de ser apanhada em falta, tende a preencher os esquecimentos com criações de realidade próprias, obviamente espúrias, mas mais ou menos contíguas aos factos de cujo acontecer só lhe havia ficado uma lembrança vaga, como o que resta da passagem duma sombra. p. 201

Nos países civilizados não existe esta prática absurda dos lugares cativos, esta idéia de considerar para sempre para sempre intocável qualquer sepultura, como se não tendo podido a vida ser definitiva, a morte o pudesse ser. p. 217

[...] o facto evidente de o Cemitério Geral ser um catálogo perfeito, um mostruário, um resumo de todos os estilos, sobretudo de arquitetura, escultura e decoração, e portanto um inventário de todos os modos de ver, estar e habitar existente até hoje [...]. p. 226

[...] é nas ocasiões de mais extremo apuro que o espírito dá a autêntica medida da sua grandeza. p. 237

O espírito humano, porém, quantas vezes será preciso dizê-lo, é o lugar predilecto das contradições, aliás, nem se tem observado ultimamente que elas prosperem ou simplesmente tenham condições de existência viáveis fora dele. p. 268

[...] o certo é que nunca poderá haver sobre o que se vê garantias firmes, as aparências enganam muito, por isso lhes chamamos aparências. p. 268


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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Stanley Krippner - Possibilidades Humanas, 1980


Esse livro é um pouco underground. Digo isto no sentido de que deve-se realmente ter a mente aberta a respeito de novas abordagens teóricas e empíricas sobre a existência, a matéria, o universo e outras tantas questões fundamentais que vivem assombrando a comunidade científica. Traz idéias sobre campos eletromagnéticos, energia, tensão muscular, reservas humanas latentes, etc. Tudo isso através de uma séria e sensata abordagem científica do autor, Krippner. A despeito de crer ou não crer, o importante mesmo é que possamos acrescentar novos referenciais de conhecimentos acessados, a fim de expandir nossas perspectivas e capacidade de articulação. Um livro excelente, que trata principalmente das experiências acerca do potencial humano no contexto da extinta União Soviética.


KRIPPNER, Stanley. Possibilidades Humanas. Trad. Alberto Costa. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. 400 p.


Ao poder do qual o homem supostamente seria dotado, sob determinadas circunstâncias, de agir sem motivos outros que não a própria ação, é dado o nome de livre arbítrio. A existência de tal faculdade nos seres humanos foi - e ainda é - motivo de muita celeuma nos mais variados níveis. Seja como for, é senso comum que a liberdade de escolha está na razão direta das possibilidades daquele que escolhe; não sendo possível admitir-se um "total livre arbítrio". Por exemplo, vivemos num país onde uma maioria de indivíduos possui um número tão reduzido de possibilidades, que nos é possível prever, com nível razoável de acerto, qual será o "destino" desta ou daquela pessoa. p. 13

Este episódio bizarro demonstra o quão facilmente a mentira pode ser perpetuada uma vez que apareça num periódico. Distorções e mentiras têm vida própria e continuam a erguer suas cabeças feias por longos períodos de tempo antes que se expirem. p. 41

Em nossa conversa, ele especulou que a psi poderia ser uma feição arcaica dos seres humanos que começou a desaparecer a partir do momento que sua utilidade foi minimizada pela linguagem, armas e outras formas de comunicação e proteção. p. 66

Existe um problema de ordem prática proveniente da suposta interação entre o cérebro e o magnetismo solar – a saber, o fato de as manchas solares serem seguidas por distúrbios magnéticos na terra, que resultam em altas taxas de doenças emocionais e nervosas, acidentes, suicídios e ataques cardíacos. Em determinadas partes da URSS, existem alertas médicos e de segurança de âmbito nacional nos dias seguintes a súbitas explosões de atividade solar. p. 69/70

Estamos longe de dizer que podemos fornecer as respostas últimas a todos os problemas. Apenas tomamos um dos caminhos possíveis para revelar uma pequena porção das possibilidades do homem. (Georgi Lozanov, 1978, p. 11). p. 157


Existem três fontes de atração
No amor dos seres humanos;
São elas o espírito, a mente e o corpo.

A mútua atração dos espíritos
Gera a amizade.

A mútua atração das mentes
Gera o respeito.

A mútua atração dos corpos
Gera o desejo.

E a combinação das três
Gera o amor.

[Verso indiano dos Upanixades. Em: VASSILCHENKO, 1977]

Em consonância com seu uso da teoria geral dos sistemas, Vassilchenko definiu o amor como "um sistema dinâmico complexo, baseado na intelectualidade, emoções e no poder do desejo", e observou que o mesmo consiste de uma multidão de variáveis. Em contraste aos sentimentos temporários de desejo, os sentimentos profundos do "verdadeiro" amor permitem que o relacionamento seja de realização e de totalidade. No "verdadeiro" amor, o indivíduo freqüentemente nega as necessidades do ego pessoal e transforma-se através da união com o outro. p. 230

As habilidades auto-reguladoras do corpo são de fato responsáveis por muitas das curas da ciência médica. Nenhuma droga é capaz de curar uma doença a menos que os mecanismos próprios do corpo estejam funcionando de maneira correta. Em conseqüência, podemos considerar que todas as enfermidades, e todas as curas, devem-se a algum aspecto dos sistemas que controlam a auto-regulação biológica. [Hill, 1979]. p. 303

Nosso universo não é composto de partes isoladas; somos feitos da mesma matéria bruta que o restante dele, e respondemos às mesmas forças que dirigem e moldam tudo o mais. As estrelas e a pele estão em contato constante. [Playfaur e Hill, 1978]. p. 306

Pavlov concebia a força da natureza agindo no organismo como um todo e na célula individual, cada um simultaneamente compreendido dentro do outro. A natureza é miniaturizada e materializada no próprio âmago do ser em suas menores partes. Expande-se intimamente para o interior de um universo tão amplo quanto o universo externo macroscópico. p. 329

Ademais, a memória não é apenas um traço de um evento passado, mas também, de forma mais importante, uma pré-condição para a realização de ações futuras (Tikhomirov, 1975).  p. 331

Margineanu (1980) conclui, “existem apenas duas formas de se viver numa ditadura – com menos inferno ao seu redor, mas com conflitos em sua consciência por aceitar sua tirania... [ou] num completo inferno, de maneira particular, aquele da prisão, porém com paz em seu coração por ter permanecido em conformidade com a própria consciência”. (p. 7). p. 336

Seu conceito (de Dr. Bek Ibraev) de “cérebro étnico” e “cérebro superétnico” sugere que com seu campo um indivíduo representa “um neurônio”, o qual pertence ao campo étnico geral. Ele acredita que, sob condições específicas, algumas pessoas (xamãs, por exemplo) são capazes de receber informação deste campo étnico. p. 359



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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Notícia de um seqüestro - Gabriel García Márquez, 1996

Um verdadeiro trabalho de jornalismo histórico do nosso querido escritor García Márquez. Através, principalmente, do relato de um casal vítima da série de seqüestros de personalidades ocorrida na Colômbia nos anos 90 - pelo bando chamado "Os extraditáveis", grupo ligado à Pablo Escobar e ao narcotráfico colombiano - , o autor reconstitui um momento importante da história recente da Colômbia. Transitando entre as diferentes perspectivas dos acontecimentos - ora através dos olhos da mídia, ora dos familiares, ora, inclusive, do presidente colombiano, ora do próprio seqüestrado - García nos proporciona um panorama amplo do que representou para o país os anos de terror vividos naquela década, nos mostrando que não só indivíduos estavam sob tutela dos sequestradores, mas o próprio país se viu como um refém. Tudo isso, claro, narrado por um dos maiores escritores de todos os tempos.

GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Notícia de um seqüestro. Rio de Janeiro: Record, 1996. 318 p.

O poder de recuperação talvez seja a fórmula mais cruel da temeridade. p. 198

A vida tinha se encarregado de ensinar a eles que a felicidade do amor não foi feita para que se repouse sobre ela, mas sim para danar-se junto. p. 244



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