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sexta-feira, 12 de abril de 2019

"Envergonhado, o Diabo parou e sentiu que a bondade era terrível..."



Sempre fui uma fã inveterada do gênero "Terror/Horror/Thriller", tanto no cinema quanto na literatura. Meu interesse esteve sempre ligado às tramas psicológicas ou fantásticas, à exposição e autópsia dos terrores e possibilidades do subconsciente humano. Nunca gostei de violência gratuita e de festivais sanguinolentos, com toda sinceridade, me sinto entediada com esse tipo de terror. O conteúdo dramático do mundo da fantasia e do terror sempre me fascinou muito mais do que a estética da violência em si. Evidente que também me sinto atraída por alguns elementos estéticos do universo do terror, mas, via de regra, é pelos elementos menos óbvios e mais alegóricos e simbólicos. 
Em alguns momentos dos últimos anos, e falo aqui do mainstreamvimos uma escalada nervosa do gênero no sentido de intensificar e, consequentemente, banalizar a violência. Cenas ou tramas que chocavam há 30 anos atrás, hoje já não chocam tanto. Os padrões da arte cinematográfica, e mesmo literária, sempre refletem em boa medida o contexto sociocultural em que são produzidos. Por isso, é indiscutível que essa escalada se relaciona com o aumento de nossa tolerância para com a violência, principalmente devido à exposição constante a ela. O avanço nos recursos tecnológicos também favoreceu muito a exploração da estética da violência em prejuízo do conteúdo dramático. Temos uma quantidade absurda de filmes que são, em última análise, um pretexto para um amontoado de cenas grotescas de violência com sinopses que não encheriam duas linhas. Isso acontece também nos filmes de ação. 
Contudo, também vemos um movimento do gênero em retorno a um terror psicológico. Exemplos disso são os recentes Quiet Place (2018)  e o controverso Bird Box (2018), onde o terror exige um pouco mais da nossa imaginação. A tensão psicológica é a tônica constante nos dois casos, e uma das principais críticas, principalmente à Bird Box, é a de não trazer a explicação sobre as criaturas, nem mostrá-las. Porventura, as pessoas fiquem realmente apavoradas quando confrontadas com sua falta de imaginação. Precisam de tudo explicadinho, nos mínimos detalhes. Quando, onde e porquê. 






Nessa semana assisti à dois filmes que, de certa forma, se conectaram na minha cabeça. O sinistro "The House That Jack Built (2018), escrito e dirigido pelo sempre intenso Lars von Trier, e o, quiçá último, Halloween (2018)
     O Lars von Trier, como de costume, consegue entrelaçar - por meio de uma dinâmica que resulta numa desconcertante morbidez -, o caráter estético da violência com uma profundidade existencial crua e perturbadora. 
      O Halloween, sinceramente, não achei de todo ruim, talvez pouco explorado. Problematizou o trauma da heroína Laurie Strode de uma maneira sincera, mas um pouco superficial. Falou, uma vez mais, do impasse psiquiátrico que a figura de Michael Myers encarna, mas chegou no mesmo denominador comum de sempre, ou seja, nosso psicopata é pure evil (o mal puro), nada mais, sem escrúpulos ou padrões, com aquela pitada de obsessão e ideia fixa pela Laurie. Foi uma espécie de "confronto final". A trama come por várias beiradas, mas não se aprofunda realmente em nada. Perseguição, carnificina, violência gratuita, fim. Olhei mais em consideração à histórica franquia e à Jamie Lee Curtis,  mas, convenhamos, não tenho mais muita paciência nem tempo pra perder com esse tipo de filme que não acrescenta nada à nossa existência.   


Minha conexão pessoal entre esses dois filmes, apesar de tão diferentes, foi a violência explícita à criança. Em Halloween, há uma cena bastante desnecessária em que Myers esgana um menino de aproximadamente 10-12 anos. Um pouco mais tarde, quando ele está vagando pela vizinhança e matando despropositadamente, há uma cena muito tensa em que ele passa por um berço no qual um bebê chora. Tive a nítida impressão de que ele iria simplesmente estocar a faca naquele berço, e acho que a intenção da direção foi exatamente essa. Lembro que eu pensei "será que eles vão cruzar essa linha?" E acho também que o assassinato anterior, daquele menino, teve justamente esse propósito de efeito no espectador. 
Em The House That Jack Built, foram cruzadas todas as linhas e a coisa foi bem mais bizarra, apesar de inserida num contexto dramático melhor construído. O serial killer Jack leva uma mãe e seus dois filhos (8 e 10 anos, talvez) para um piquenique numa região de caça. Em fim de contas eles é que se tornam a caça do megalomaníaco que chama o evento de sua "obra-prima". Não apenas mata os dois meninos, do alto da sua torre de tiro, como os mata, um de cada vez, na frente da mãe desesperada. Depois, na sequência desses eventos com um nível de crueldade poucas vezes atingido no cinema, Jack faz a mãe simular que os filhos estão vivos, encenando um piquenique grotesco em que ela é obrigada a dar de comer para o cadáver de um deles. O estômago revira sim. É horrível. Mas piora, depois Jack ainda vai mutilar o cadáver de um dos meninos para deixá-lo com um aspecto sorridente. Mas a filmagem do Lars colocou uma luz um pouco diferente sobre o serial killer, essa figura, tantas e tantas vezes endeusada e romantizada pelo cinema. Lars realmente consegue despertar nosso desprezo e nosso ódio por esse cara. Ele não é um cara fodão, inteligente e sofisticado. Sarcasticamente, o personagem de Lars se autoproclama Mr. Sophistication, mas não passa de um lunático que pretende atribuir um significado transcendental ao que não passa de uma perversidade doentia, e que nasce, sobretudo, de sua profunda incompetência social.


Crianças são sempre um assunto sensível, porque toca num lugar muito delicado da psique humana. Um lugar compassivo e frágil, de amor incondicional e de autopreservação. Existem exemplos no cinema no sentido de crianças perversas, o que por si, já é agressivo e desagradável aos nossos pensamentos. Alguns exemplos disso são o The Boy (2015) e o macabro Ich seh ich seh (2014). Podemos citar até mesmo Pet Sematary (1989) ou o Exorcista (1973), pois, por mais que existam elementos sobrenaturais, também lidam com figuras infantis que despertam em nós um nível diferente de terror.  
Contudo, creio que a violência contra a criança está no topo das coisas mais horríveis e inconcebíveis, dentro e fora do cinema. É uma das coisas mais assustadoras que existem. E é um dos tabus no cinema, uma linha que poucos cruzam, e não à toa. Suscita dentro de nós um horror impactante, paralisante, uma repulsa e uma revolta. É uma espécie de último recurso que funciona como algo do tipo "olha, esse é o nível de maldade desse assassino". Na obra de Lars funcionou bastante bem, a despeito do choque que provoca, também provoca uma percepção mais crua e menos romantizada da figura do psicopata.  


Mas talvez à violência contra uma criança no mundo do cinema não seja o que realmente nos cause choque. Talvez o que realmente mexe com as nossas entranhas seja a relação entre a arte e a realidade. A arte imita a vida, reflete ela e sobre ela. Tudo aquilo que está na arte, de alguma forma, encontra correspondência na realidade e, nesse caso em particular, isso é mais perturbador do que qualquer outra coisa.
Stephen King fala que o terror é sobre os medos. Sobre um medo, acima de todos, o medo da morte. As histórias de terror são ensaios de nossas próprias mortes. Porém, trazem uma enorme vantagem. Se por um lado, nos lembram ostensivamente de que somos mortais e de que vamos morrer um dia, por outro, também nos lembram de que estamos vivos e isso nos causa um enorme alívio. E é esse alívio a substância viciante do terror. 



"Isso não aconteceu porque os roteiristas e produtores e diretores desses filmes queriam que acontecesse; aconteceu porque as histórias de terror ficam mais à vontade naquele ponto de conexão entre o consciente e o subconsciente, o lugar onde tanto a imagem como a alegoria ocorrem mais naturalmente e com efeito mais devastador. " (Stephen King, 1977)




domingo, 26 de agosto de 2018

Sonhando com Stephen King

         
         
   
       Eu tenho sorte, ou pelo menos meu subconsciente tem. Quando fazia meu TCC, que era sobre as obras de Machado de Assis, tive um sonho com o Bruxo do Cosme Velho. Estávamos viajando de bonde, na Rio de Janeiro do século XIX. Ele, sentado no banco em frente ao meu, virou-se para conversar comigo. Tivemos uma conversa muito leve e divertida, e ele me deu alguns conselhos sobre meu trabalho, apontando alguns caminhos. Fato é que acordei com aquela sensação agradável ainda muito fresca, e realmente minhas ideias sobre meu trabalho clarearam muito a partir dali.
     Essa noite foi a vez de sonhar com outro de meus autores favoritos, Stephen King. Eu estava em algum evento literário, mas era uma espécie de concentração, com várias salas. De repente ouvi um rumor de que Stephen King estava passando mal na sua sala, algo como pressão alta talvez, ele não se sentia bem. Fiquei preocupada, pensei "será que ele vai morrer? não pode ser!". Algumas pessoas entravam e saíam da sala dele. Até que alguém disse que ele estava bem. Eu estava numa espécie de recepção onde tinham sofás e outras pessoas transitando, quando de súbito ele apareceu, estava muito informal, e não era um ambiente de fãs, era como se fosse um ambiente de backstage. Ele estava apenas circulando. Então eu me aproximei e disse "I'm a fan, but not a crazy one! i'm just worry about you, are you ok?" Então ele sorriu e tocou minhas bochechas num gesto de carinho, me disse que tinha sido apenas um mal estar mas que já passara. 
E esse foi meu sonho com Stephen King. Novamente acordei com aquela sensação agradável, aquela vontade de voltar pro sonho... Infelizmente não consegui, só me restou mesmo voltar para um de seus livros...


Escolhi essa foto pra ilustrar porque foi bem essa expressão simples e fofa que ele tinha no meu sonho. 



domingo, 21 de janeiro de 2018

Não a vida, nem o tempo. Mas o tamanho.



— O maior mistério que o universo propõe não é a vida, mas o tamanho. A criança, que em geral está familiarizada com o espanto, diz: papai, o que existe em cima do céu? E o pai diz: a escuridão do espaço. A criança: o que existe depois do espaço? O pai: a galáxia. A criança: depois da galáxia? O pai: outra 
galáxia. A criança: depois das outras galáxias? O pai: ninguém sabe. Está entendendo? O tamanho nos derrota. Para o peixe, o lago onde ele vive é o universo. O que pensa o peixe quando é puxado pela boca por um gancho prateado, nos limites da existência, e penetra num novo universo onde o ar afoga e a luminosidade é uma loucura azulada? Onde enormes bípedes sem guelras o amontoam para morrer numa caixa sufocante, forrada de vegetação úmida? 
Ou se pode pegar a ponta de um lápis e ampliá-la. Vamos chegar a um ponto onde uma atordoante compreensão cai sobre nós: a ponta do lápis não é sólida; é composta de átomos que giram e rodopiam como um trilhão de diabólicos planetas. O que nos parece sólido é apenas uma rede de coisas soltas, mantidas juntas pela gravidade. Vistas na sua real dimensão, as distâncias entre esses átomos podem se tornar quilômetros, abismos, eternidades. Os próprios átomos são compostos de núcleos com prótons e 
elétrons girando em torno deles. Podemos descer ainda mais até as partículas subatômicas. E depois para o quê? Para os táquions? Para nada? Claro que não. Tudo no universo rejeita o nada; sugerir um término é o 
único absurdo que existe.
Se você recuasse para o limite do universo, será que encontraria uma cerca de madeira e tabuletas dizendo SEM SAÍDA? Não. Talvez você encontrasse algo duro e arredondado, como o pintinho deve ver o ovo do 
seu interior. E se você atravessasse a casca beliscando (ou encontrasse uma porta), não poderia jorrar, nesses confins do espaço, uma incrível luz torrencial através da abertura? Você não poderia olhar por ali e descobrir que todo o nosso universo é apenas parte de um átomo numa camada de relva? 
Não poderia ser levado a pensar que, ao queimar um graveto, você está 
incinerando uma eternidade de eternidades? Que a existência não avança para um infinito mas para uma infinidade deles?

[Stephen King, O pistoleiro, 1982]


Sobre o medo. Prefácio de Stephen King, 1977.

Eu fiquei realmente fascinada por esse prefácio de Sombras da Noite, do Stephen King. O livro é uma reunião de contos que foi publicado pela primeira vez em 1978. Nesse prefácio, King fala sobre o medo, sobre a fascinação pelo oculto, pelo mistério e pelo macabro. Traz algumas noções explicativas realmente esclarecedoras e surpreendentes. Eu, enquanto fã dessa gênero de produção, tanto cinematográfica, quanto literária, achei de fundamental validade as considerações que o autor faz. Uma verdadeira contribuição para o entendimento - ou, pelo menos, para uma maior compreensão - dessa delicada relação de fascínio entre o ser humano e o oculto.





Vamos conversar, você e eu. Vamos conversar sobre o medo.
A casa está vazia quando escrevo isto; uma fria chuva de fevereiro cai lá fora. É noite. Às vezes, quando o vento sopra do jeito que está soprando agora, falta luz. Mas por enquanto não está faltando, então vamos conversar muito honestamente sobre o medo. Vamos conversar muito racionalmente sobre chegar às raias da loucura… e talvez cruzar a fronteira.
Meu nome é Stephen King. Sou um homem adulto, com mulher e três filhos. Eu os amo, e acredito que o sentimento seja recíproco. Meu trabalho é escrever, e é um trabalho de que gosto muito. As histórias – Carrie, a estranha, A hora do vampiro e O iluminado – fizeram sucesso suficiente para me permitir escrever em tempo integral, o que é algo agradável de se fazer. Neste momento da minha vida, parece que estou razoavelmente saudável. No ano passado, consegui diminuir meu vício de fumar, trocando a marca de cigarros sem filtro que fumava desde os 18 anos por uma outra, com baixos teores de nicotina e alcatrão, e ainda tenho esperanças de conseguir parar por completo. Minha família e eu vivemos numa casa agradável junto a um lago relativamente livre de poluição no Maine; no outono passado, acordei certa manhã e vi um cervo no gramado dos fundos, junto à mesa de piquenique. Temos uma vida boa.
Mesmo assim… vamos conversar sobre o medo. Não vamos elevar nossas vozes nem gritar; vamos conversar racionalmente, você e eu. Vamos conversar sobre o modo como o tecido resistente das coisas consegue se rasgar de maneira assustadoramente repentina.
À noite, quando vou para a cama, ainda me esforço para ter certeza de que minhas pernas estejam debaixo dos cobertores quando as luzes de apagam. Não sou mais criança, mas… não gosto de dormir com uma perna para fora. Porque se uma mão fria sair de sob a cama e agarrar meu tornozelo, sou capaz de gritar. Sim, sou capaz de gritar a ponto de acordar os mortos. Esse tipo de coisa não acontece, é claro, todos nós sabemos disso. Nas histórias que se seguem, você vai encontrar todo tipo de criaturas da noite: vampiros, amantes demoníacos, uma coisa que vive dentro de um armário, todo tipo de horrores diversos. Nenhum deles é real. Sei disso, e também sei que se eu tomar cuidado e ficar sempre com as pernas debaixo da coberta, ela jamais vai conseguir agarrar meu tornozelo.
Às vezes falo diante de grupos de pessoas interessadas pela escrita ou pela literatura, e antes que termine o tempo das perguntas e respostas, alguém sempre se levanta e indaga: Por que você escolheu escrever sobre temas tão horríveis?
Normalmente respondo com outra pergunta: Por que você acha que eu tenho escolha?
Escrever é meio que uma ocupação improvisada. Todos nós parecemos vir  equipados com filtros no chão das nossas mentes, e todos os filtros têm tamanhos e tramas diferentes. O que fica preso no meu filtro pode passar pelo seu. O que fica preso no seu talvez passe sem problemas pelo meu. Todos nós parecemos ter a obrigação inata de remexer nos resíduos que ficam presos em nossos respectivos filtros mentais, e o que encontramos ali normalmente evolui para uma espécie de atividade paralela. O contador também pode ser um fotógrafo. O astrônomo talvez colecione moedas. O professor pode copiar entalhes de lápides, usando a técnica de passar carvão por cima de um papel. Os resíduos apanhados pelo filtro mental, aqueles que se recusam a passar, com freqüência se tornam a obsessão particular de cada um. Na sociedade civilizada, temos um acordo tácito de chamar nossas obsessões de “hobbies”.
Às vezes o hobby pode-se tornar uma ocupação em tempo integral. O contador pode descobrir que é capaz de ganhar dinheiro suficiente para sustentar a família tirando fotografias; o professor pode se tornar tão competentes nas cópias de lápides a ponto de começar a fazer conferências sobre o assunto. E há algumas profissões que começam como hobbies e continuam sendo hobbies mesmo depois que o praticante consegue ganhar a vida dedicando-se a eles; mas como hobby é uma palavra aparentemente tão corriqueira e sem graça, também temos um acordo tácito de chamar nosso hobbies profissionais de “as artes”.
Pintura. Escultura. Composição. Canto. Representar. Tocar um instrumento musical. Escrever. Livros já foram escritos sobre os setes assuntos em quantidade suficiente para afundar uma frota de transatlânticos de luxo. E a única coisa que parecemos concordar a respeito deles é o seguinte: que aqueles que se dedicam honestamente a estas artes continuariam a se dedicar mesmo se não fossem pagos por seus esforços; mesmo que seus esforços fossem criticados ou até difamados; mesmo sob risco de prisão ou morte. Para mim, esta parece ser uma definição bem precisa do comportamento obsessivo. Aplica-se aos hobbies comuns tanto quanto aos sofisticados q que chamamos “as artes”; colecionadores de armas colam em seus carros adesivos com a frase “você só tira minha arma dos dedos gelados do meu cadáver”, e nos subúrbios de Boston, donas de casa que descobriram a militância política durante a confusão dos ônibus* com freqüência exibem adesivos semelhantes com as palavras “você vai ter que me levar presa antes de tirar meus filhos do bairro” no vidro traseiro de seus carros de família. De maneira similar, se amanhã colecionar moedas passasse a ser ilegal, o astrônomo muito provavelmente não entregaria os centavos feitos de aço e as moedas de cinco centavos com efígie de búfalo; ia embrulhá-las cuidadosamente em plástico, enfiá-las no tanque da descarga da privada e regozijar-se com elas depois da meia-noite.
Parece que nos afastamos do assunto do medo, mas na verdade ainda não nos afastamos tanto assim. O resíduo que fica preso na tela do meu filtro mental é a substância do medo. Minha obsessão é pelo macabro. Não escrevi nenhuma das histórias que se seguem por dinheiro, embora algumas delas tenham sido vendidas para revistas antes de aparecerem aqui; e eu nunca devolvi um cheque sem tê-lo descontado. Posso ser obsessivo, mas não louco. No entanto, repito: não as escrevi por dinheiro; escrevi porque me ocorreu escrevê-las. Tenho uma obsessão comercializável. Há homens e mulheres loucos, presos em celas acolchoadas pelo mundo afora, que não têm tanta sorte assim.
Não sou um grande artista, mas sempre me senti compelido a escrever. Então, a cada dia volto a remexer nos resíduos, examinando os refugos da observação, da memória, da especulação, tentando criar algo com aquela substância que não passou pelo filtro e não conseguiu ir embora pelo ralo do subconsciente.
Eu e Louis L´Amour, o escritor de faroestes, poderíamos estar de pé nas margens de um pequeno lago no Colorado, e ambos poderíamos ter uma idéia exatamente no mesmo instante. Poderíamos ambos sentir o impulso de nos sentar e tentar expressá-la em palavras. A história dele talvez fosse sobre o direito à água na estação da seca; minha história provavelmente seria sobre uma criatura enorme e terrível emergindo das águas calmas e sumindo com carneiros… e cavalos… e pessoas. A “obsessão” de L´Amour está centralizada na história do Oeste americano; eu tendo mais na direção das coisas que se esgueiram sob a luz das estrelas. Ele escreve faroestes; eu escrevo histórias de terror. Ambos somos um pouco malucos.
As artes podem obcecar, e a obsessão é perigosa. É como uma faca dentro da mente. Em alguns casos – Dylan Thomas me vem à mente, e Ross Lockridge, e Hart Crane, e Sylvia Plath – , a faca pode se voltar selvagemente contra a pessoa que a empunha. A arte é uma doença localizada, normalmente benigna – pessoas criativas tendem a viver por longos anos -, às vezes terrivelmente maligna. Você usa a faca com cuidado, porque sabe que ela não se importa em saber quem está cortando. E se você for inteligente, remexe nos resíduos com cuidado… porque algumas coisas ali talvez não estejam mortas.
* nos anos 60, uma política norte americana que objetivava promover a integração racial levava de ônibus crianças de seu distrito residencial para estudar em escolas de distritos diferentes, numa espécie de permuta. Nos EUA, cada distrito é autônomo e as crianças estudam obrigatoriamente na escola pública de seu distrito – ou optam por uma escola particular, que é muito raro.
Depois de a pergunta sobre “por que você escreve essas coisas” ter sido respondida, surge outra que a acompanha: por que as pessoas lêem essas coisas? O que faz com que vendam? Essa pergunta leva consigo uma suposição oculta, e é a suposição de que gostar de histórias sobre o medo, sobre o terror, não é lá muito saudável. As pessoas que escrevem para mim muitas vezes começam dizendo, “imagino que você vai achar que sou estranho, mas eu realmente gostei de A Hora do Vampiro”, ou “provavelmente sou mórbido, mas adorei cada página de O Iluminado”…
Acho que a explicação para isso pode estar num trecho de uma crítica de cinema da revista Newsweek. A crítica de um filme de terror, não muito bom, e dizia algo mais ou menos assim: “…um filme maravilhoso para pessoas que gostam de diminuir a velocidade para ver acidentes de carro”. É uma frase incisiva, mas quando você pára pra pensar nela, vê que se aplica a todos os filmes e histórias de terror. A Noite dos Mortos Vivos, com suas cenas hediondas de canibalismo humano e matricídio, certamente era um filme destinado às pessoas que gostam de diminuir a velocidade para ver acidentes de carro; e quanto àquela garotinha vomitando sopa de ervilha em cima do padre, em O Exorcista? Drácula, de Bram Stoker, freqüentemente uma base de comparação para histórias modernas de terror (como deveria ser; é a primeira com um toque abertamente psicofreudiano), apresenta um maníaco chamado Renfield que devora moscas, aranhas e, por fim, um passarinho.  Ele regurgita o passarinho, que havia comido inteiro, com penas e tudo. O romance também fala de empalação – a penetração ritual, se poderia dizer – de uma jovem e adorável vampira, e o assassinato de um bebê e sua mãe.
A grande literatura do sobrenatural muitas vezes contém a mesma síndrome do “vamos diminuir e dar uma olhada no acidente”: Beowulf matando a mãe de Grendel; o narrador de “O coração denunciador” desmembrando seu benfeitor acometido de catarata e colocando os pedaços debaixo das tábuas do piso; a feroz batalha do hobbit Sam contra Laracna, a aranha, no livro final da trilogia do anel, de Tolkien.
Alguns vão se opor com firmeza a esta linha de pensamento, dizendo que Henry James não nos mostra um acidente de carro em “A volta do parafuso”; dirão que as histórias de Nathaniel Hawthorne sobre o macabro, tais como “O jovem Goodman Brown” e “O véu negro do ministro” também são de melhor gosto do que Drácula. A idéia não faz sentido. Eles ainda estão mostrando acidentes de carro; os corpos foram removidos, mas ainda podemos ver as ferragens retorcidas e observar o sangue sobre o estofamento. Em alguns casos, a delicadeza, a ausência de melodrama, o tom grave e estudado de racionalidade que perpassa uma história como “O véu negro do ministro” é ainda mais terrível do que as monstruosidades batráquias de Lovecraft ou o auto-da-fé de “O poço e o pêndilo”, de Poe.
O fato é – e a maior parte de nós sabe disso, no fundo – que muito poucos entre nós conseguem evitar uma espiada nervosa para a sucata cercada por carros de polícia e sinais luminosos na estrada, à noite. Idosos apanham o jornal pela manhã e imediatamente abrem na coluna de óbitos, para ver quem se foi antes deles. Todos nós ficamos abalados por um momento quando ouvimos dizer que um Dan Blocker morreu, um Freddie Prinze, uma Janis Joplin. Sentimos terror misturado com um estranho júbilo quando ouvimos Paul Harvey anunciar no rádio que uma mulher foi apanhada pela hélice de um avião durante uma tempestade, num pequeno aeroporto do interior, ou que um homem foi vaporizado imediatamente num liquidificador industrial gigante quando um colega de trabalho esbarrou num dos controles. Não é preciso elaborar o óbvio; a vida está cheia de horrores pequenos e grandes, mas pelo fato de os pequenos serem aqueles que conseguimos compreender, são os que nos atingem com toda a força da mortalidade.
Nosso interesse nesses horrores de bolso é inegável, mas também o é nossa repulsa. Os dois se misturam com dificuldade, e o produto dessa mistura parece ser a culpa… uma culpa que não parece muito diferente da culpa que costuma acompanhar o despertar sexual.
Não me cabe dizer a você que não se sinta culpado, assim como não me cabe oferecer justificativas aos meus romances e aos contos que se seguem. Mas um interessante paralelo entre o sexo e o medo pode ser observado. Quando nos tornamos capazes de ter relações sexuais, nosso interesse por essas relações é despertado; o interesse, a menos que de algum modo seja pervertido, tende naturalmente na direção da cópula e da continuidade da espécie. Quando nos damos conta do nosso fim inevitável, também nos damos conta da emoção do medo. E acho que, como a cópula leva à auto preservação, todo o medo leva a uma compreensão do nosso fim derradeiro.
Há uma antiga fábula sobre sete cegos que agarraram sete diferentes partes de um elefante. Um deles achou que segurava uma cobra, outro achou que tinha nas mãos uma palmeira gigante. Outro pensou que tocava numa pilastra de pedra. Quando se reuniram, chegaram à conclusão de que se tratava de um elefante.
O medo é a emoção que nos torna cegos. De quantas coisas temos medo? Temos medo de desligar a luz quando nossas mãos estão molhadas. Temos medo de enfiar uma faca dentro da torradeira para tirar o muffin inglês que ficou preso lá dentro sem desligá-la primeiro da tomada. Temos medo do que o médico pode nos dizer quando o exame tiver terminado; quando o avião de repente dá uma sacudida em pleno vôo. Temos medo de que o petróleo acabe, de que o ar puro se acabe, de que a água potável, a vida saudável se acabe. Quando a filha prometeu chegar as onze e já é meia noite e quinze e a chuva congelada fustiga a janela como areia seca, nós nos sentamos e fingimos assistir Johnny Carson, e olhamos ocasionalmente para o telefone mudo, e sentimos a emoção que nos torna cegos, a emoção que deixa em ruínas o processo do pensamento.
A criança é uma criatura destemida apenas até a primeira vez em que sua mãe não está lá pra colocar o mamilo dentro de sua boca quando ela chora.  O bebê que começa a andar logo descobre as verdades duras e dolorosas da porta que se bate, da boca acesa do fogão elétrico, da febre que vem com a laringite ou o sarampo. As crianças aprendem rápido o medo; conseguem percebê-lo no rosto da mãe ou do pai quando um deles entra no banheiro e as vê com um frasco de remédio ou o aparelho de barbear.
O medo nos deixa cegos, e tocamos cada medo com a ávida curiosidade do interesse próprio, tentando construir um todo a partir de uma centena de partes, como os homens cegos e seu elefante.
Sentimos a forma. As crianças percebem depressa, esquecem, e reaprendem quando se tornam adultas. A forma está ali, e a maioria de nós se dá conta do que se trata mais cedo ou mais tarde: é a forma de um corpo debaixo de um lençol. Todos os nossos medos reunidos constituem um grande medo, todos os nossos medos são parte desse grande medo – um braço, uma perna, um dedo, uma orelha. Temos medo do corpo debaixo do lençol. É o nosso corpo. E o grande atrativo da ficção de terror ao longo das épocas é que ela serve de ensaio para a nossa própria morte.
Esse ramo nunca foi muito respeitado; durante muito tempo os únicos amigos que Poe e Lovecraft tinham eram os franceses, que de algum modo chegaram a um acordo tanto com o sexo quanto com a morte, um acordo para o qual os compatriotas americanos de Poe e Lovecraft não tiveram paciência. Os americanos estavam ocupados construindo rodovias, e Poe e Lovecraft morreram pobres. A fantasia de Tolkien sobre a Terra Média vagou a esmo durante vinte anos antes de obter algum sucesso fora do nicho da contracultura, e Kurt Vonnegut, cujos livros geralmente lidam com a idéia do ensaio para a morte, tem enfrentado uma onda constante de críticas, a maioria delas chegando às raias da histeria.
Talvez isso se dê porque o autor de histórias de terror sempre traz más notícias: você vai morrer, ele fala; diz pra você não dar importância a Oral Roberts** e seu “algo de bom vai acontecer com você”, porque algo de ruim também vai acontecer com você, e talvez seja câncer, ou talvez seja ataque cardíaco, ou talvez seja um acidente de carro, mas vai acontecer. E o autor toma sua mão na dele, e o leva para dentro do quarto e coloca suas mãos sobre aquela forma debaixo do lençol… e lhe diz para tocar aqui… aqui… e aqui…
É claro que os temas da morte e do medo não são território exclusivo do escritor de terror. Vários dos escritores chamados “tradicionalistas” lidaram com esses temas, e de uma variedade de formas diferentes – desde “Crime e Castigo”, de Fiodor Dostoievski, a “Quem tem medo de Virgínia Woolf?”, de Edward Albee e às histórias de Lew Archer, por Ross MacDonald. O medo sempre foi um tema importante. A morte foi um tema importante.  São duas constantes do ser humano. Mas apenas o escritor de terror e do sobrenatural dá ao leitor uma oportunidade para total identificação e catarse. Os que trabalham no gênero com a mínima compreensão que seja do que estão fazendo sabem que todo o território do horror e do sobrenatural é uma espécie de filtro entre o consciente e o subconsciente; a ficção de terror é como uma estação central de metrô na psique humana, entre a linha azul daquilo que conseguimos incorporar com segurança e a linha vermelha daquilo de que precisamos nos livrar, de um jeito ou de outro.
Quando você lê histórias de horror, não acredita realmente no que está lendo. Não acredita em vampiros, lobisomens, caminhões que subitamente funcionam, e se movem sozinhos. Os horrores em que todos nós acreditamos são do tipo descrito Dostoievski e Albee e MacDonald: o ódio, a alienação, envelhecer sem amor, adentrar um mundo hostil com as pernas inseguras da adolescência. Nós somos, em nosso mundo real e cotidiano, muitas vezes semelhantes às máscaras da Comédia e da Tragédia, rindo por fora, uma careta de dor por dentro. Há um interruptor central em algum lugar dentro de nós, um transformador, talvez, onde os fios que ligam as duas máscaras se conectam. E esse é o local onde a história de terror muitas vezes atinge seu alvo.
O escritor de histórias de terror não é tão diferente do comedor de pecados galês, que teoricamente assume os pecados do caro falecido comendo a comida dele. O conto que trata de monstruosidades e terror é um cesto mais ou menos cheio de fobias; quando o escritor passa, você tira do cesto um dos horrores imaginários dele e coloca ali um dos seus horrores pessoais reais – pelo menos por algum tempo.
Nos idos de 1950, houve uma onda tremenda de filmes sobre insetos gigantes – O Mundo em Perigo, O Começo do Fim, The Deadly Mantis (A louva-a-deus mortífera) e assim por diante. Quase sem exceção, com o desenrolar do filme descobríamos que aqueles mutantes horrorosos e gigantescos eram resultado de testes atômicos no novo México ou em algum atol no Pacífico (e no mais recente Horror of Party Beach (O horror na praia de festas), que poderia ter recebido o subtítulo de Beach Blanket Armaggedon (Armageddon na toalha de praia), a culpa caia no lixo atômico). Considerados em conjunto, os filmes de insetos gigantes formam um padrão inegável, uma desconfortável gestald do terror de um país inteiro diante da nova era que o Projeto Manhattan inaugurara. Mais tarde nos anos 50 houve um ciclo de filmes de terror “adolescentes”, começando com I was a teenage werewolf e culminando com épicos como Teenagers from outer space (adolescentes extraterrestres) e A Bolha Assassina, em que um Steve McQueen imberbe lutava contra uma espécie de gelatina mutante com a ajuda de seus amigos adolescentes. Numa época em que todas as revistas semanais continham pelo menos um artigo sobre o aumento da delinqüência juvenil, os filmes de terror juvenis expressavam o desconforto de todo um país diante da revolução jovem que já se fermentava; quando você via Michael London se transformar num lobisomem com um casaco de ginasial, uma conexão se estabelecia entre a fantasia na tela e suas próprias ansiedades flutuantes dirigidas ao nerd no carrão envenenado que sua filha estava namorando. Para os próprios adolescentes (eu era um deles e falo por experiência própria), os monstros produzidos pelos estúdios da American-Internacional davam a oportunidade de ver alguém ainda mais feio do que eles se sentiam; o que eram umas poucas espinhas comparadas àquela coisa trôpega que antes era um ginasial em I was a teenage Frankenstein (eu fui um Frankenstein adolescente)? O mesmo ciclo também expressava os sentimentos dos próprios adolescentes, de que estavam sendo injustamente subjulgados e diminuídos pelos mais velhos, que seus pais simplesmente “não entendiam”. Os filmes obedecem a uma formula (como grande parte da ficção de terror, escrita ou filmada), e o que esta formula expressa com maior clareza é a paranóia de toda uma geração – uma paranóia sem dúvida causada, em parte, por todos os artigos que seus pais estavam lendo. Nos filmes, uma criatura terrível e verruguenta está ameaçando Elmville. Os garotos sabem, porque o disco voador pousou perto da alameda dos namorados. No primeiro rolo de filme, a criatura verruguenta mata um velho numa picape (o velho era invariavelmente interpretado por Elisha Cook Jr). Nos três rolos seguintes, os garotos tentam convencer os mais velhos de que aquela criatura verruguenta está de fato à solta nas redondezas. “Dêem o fora daqui antes que eu prenda vocês todos por viola o toque de recolher!”, o chefe de polícia de Elmville brada logo antes que o monstro se esgueire pela Main Street, deixando um rastro de destruição por toda parte. No fim, são os garotos espertos que dão cabo da criatura verruguenta, e depois se reúnem no ponto de encontro costumeiro para tomar chocolate maltado e dançar ao som de alguma cançãozinha boba enquanto os créditos deslizam pela tela.
São três oportunidades distintas de catarse num ciclo de filmes – nada mau para um punhado de épicos de baixo orçamento que normalmente eram rodados em menos de dez dias. Isso não aconteceu porque os roteiristas e produtores e diretores desses filmes queriam que acontecesse; aconteceu porque as histórias de terror ficam mais à vontade naquele ponto de conexão entre o consciente e o subconsciente, o lugar onde tanto a imagem como a alegoria ocorrem mais naturalmente e com efeito mais devastador. Há uma linha direta de evolução entre I was a teenage werewolf e Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, e entre Teenage Monster (monstro adolescente) e o filme de Brian de Palma, Carrie, a estranha.
** Tele-evangelista norte-americano.
A grande ficção de horror é quase sempre alegórica; às vezes a alegoria é intencional, como em A revolução dos Bichos e 1984, e às vezes simplesmente acontece – J.R.R. Tolkien jurava de pés juntos que o Senhor do Escuro de Mordor não era Hitler num disfarce da fantasia, mas as teses e monografias continuam afirmando o contrário… talvez porque, como diz Bob Dylan, quando você tem muitas facas e garfos, tem de cortar alguma coisa.
As obras de Edward Albee, de Steinbeck, Camus, Faulkner – essas obras lidam com o medo e a morte, às vezes com o horror, mas normalmente esses escritores tradicionais abordam o tema de modo mais normal e realista. Seu trabalho se enquadra em um mundo racional; são histórias que “poderiam acontecer”. Estão na linha de metrô que atravessa o mundo externo. Há outros escritores – James Joyce, Faulkner novamente, poetas como T.S. Eliot, Sylvia Plath e Anne Sexton – cuja obra entra no território do inconsciente simbólico. Estão na linha de metrô que atravessa a paisagem interna. Mas o escritor de horror está quase sempre na estação que une as duas, pelo menos se ele está afiado. Quando está em sua melhor forma, muitas vezes temos a estranha sensação de não estarmos totalmente adormecidos ou acordados, o tempo se distende e sai de lado, ouvimos vozes mas não distinguimos as palavras ou o sentido, os sonhos parecem reais e a realidade parece um sonho.
Trata-se de uma estação estranha e maravilhosa. Hill House fica ali, naquele lugar onde os trens passam nos dois sentidos, com as portas que se fecham de modo perceptível; a mulher no quarto com papel de parede amarelo está ali, rastejando pelo chão com a cabeça pressionada sobre aquela leve mancha de gordura; as criaturas tumulares que ameaçavam Frodo e Sam estão ali; e o modelo de Pickman, do conto homônimo de H.P. Lovecraft; o wendigo, o monstro canibal dos índios algonquinos no Canadá; Norman Bates e sua terrível mãe. Não há despertar ou sonhar nessa estação, mas apenas a voz do escritor, baixa e racional, falando sobre como o tecido resistente das coisas às vezes pode se rasgar de maneira assustadoramente repentina. O escritor lhe diz que você quer ver o acidente de carro, e ele está certo – você quer mesmo. Há a voz de um morto ao telefone… alguma coisa atrás das paredes da velha casa que pelo som parece maior do que um rato… movimentos ao pé da escada do porão. Ele quer que você veja todas essas coisas, e mais; quer que você coloque sua mão no vulto debaixo do lençol. E você quer colocar sua mão ali. Sim.
Estas são algumas das coisas que sinto que a narrativa de terror faz, mas estou firmemente convencido de que deve fazer mais uma, e esta acima de todas as outras: deve contar uma historia que mantenha o leitor ou o ouvinte fascinado por algum tempo, perdido num mundo que nunca existiu e nunca poderia existir. Deve ser como o convidado do casamento que pega um drink a cada três vezes que o garçom passa. Durante toda minha vida como escritor, tenho defendido a idéia de que na ficção o valor da história prevalece sobre todas as outras facetas do ofício da escrita; caracterização, tema, atmosfera, nada disso vale alguma coisa se a história não tiver graça. E se a história conseguir prendê-lo, todo o resto é perdoável. Minha citação predileta a respeito disso veio da pena de Edgar Rice Burroughs, que não é o candidato de ninguém para a vaga de Maior Escritor do Mundo, mas um homem que compreendeu por completo o valor da história. Na página um de A Terra que o Tempo Esqueceu, o narrador encontra um manuscrito numa garrafa; o resto do romance é a apresentação desse manuscrito. O narrador diz: “leia uma página, e eu serei esquecido”. É uma promessa que Burroughs cumpre – e muitos escritores com mais talento do que ele não.
Em suma, meu nobre leitor, eis uma verdade que faz o mais forte escritor ranger os dentes: com exceção de três pequenos grupos de pessoas, ninguém lê o prefácio de um autor. As exceções são: um, os parentes mais próximos do escritor (normalmente sua mulher e sua mãe); dois, os representantes oficiais do escritor (e o pessoal do setor editorial e afins), cujo interesse principal é descobrir se ao longo das divagações do autor alguém que foi difamado ou caluniado; e três, aquelas pessoas que de algum modo ajudaram o escritor em sue caminho. Essas são as pessoas que querem saber se o autor agora está tão cheio de si a ponto de esquecer que não chegou até ali sozinho.
Outros leitores podem sentir, o que é perfeitamente justificável, que o prefácio do autor é uma imposição indecente, um comercial de várias páginas sobre ele mesmo, mais ofensivo até do que os anúncios de cigarro que proliferam na parte central dos livros de bolso. A maior parte dos leitores vem assistir o espetáculo, e não ficar vendo o contra-regra agradecer aos aplausos diante das luzes. Mais uma vez, isso é perfeitamente justificável.
Vou me despedir agora. O espetáculo em breve começará. Entraremos naquele quarto e tocaremos o vulto sobre o lençol. Mas antes que eu vá embora, quero tomar só mais uns dois ou três minutos do seu tempo e agradecer a algumas pessoas que pertencem aos três grupos mencionados acima – e a um quarto grupo. Agüente mais um pouco enquanto digo alguns muito-obrigados:
À minha mulher Tabitha, minha melhor e mais afiada crítica. Quando ela sente que o trabalho está bom, diz; quando sente que meti os pés pelas mãos, consegue me colocar no meu devido lugar de maneira mais gentil e amável possível. Aos meus filhos, Naomi, Joe e Owen, que têm sido bastante compreensivos com a ocupação peculiar de seu pai no quarto lá em baixo. E à minha mãe, que faleceu em 1973 e a quem este livro é dedicado. Seu encorajamento era firme e constante, ela sempre parecia dispor de 40 ou 50 centavos para o envelope auto-endereçado e selado de resposta e ninguém – incluindo eu mesmo – ficou mais feliz do que ela quando consegui “chegar lá”.
No segundo grupo, agradecimentos especiais vão para o meu editor, Willian G. Thompson da Doubleday & Company, que tem trabalhado pacientemente comigo, que tem suportado meus telefonemas diários com bom humor constante, e que foi gentil com um jovem escritor sem qualquer currículo alguns anos atrás, ficando ao seu lado desde então.
No terceiro grupo estão os primeiros compradores da minha obra: Sr. Robert A. W. Lowndes, que adquiriu os dois  primeiros contos que vendi em minha vida; Sr. Douglas Allen e Sr. Nye Willden da Dugent Publishing Corporation, que compraram tantos dos seguintes para as revistas Cavalier e Gent, nos velhos tempos de dureza em que os cheques chegavam bem a tempo de evitar o que a companhia elétrica eufemisticamente chama de “interrupção do serviço”.; a Elaine Geiger, Herbert Schnall e Carolyn Stromberg da New American Library; a Gerald Van der Leun da Penthouse e Harris Deinstfrey da Cosmopolitan. Muito obrigado a todos vocês.
Há um último grupo ao qual eu gostaria de agradecer, o grupo composto por cada um dos leitores que um dia abriu a carteira para comprar alguma coisa escrita por mim. De muitas maneiras, este livro é seu, porque tenho certeza de que jamais teria acontecido sem você. Então, obrigado.
Aqui, onde estou, ainda está escuro e chove. Uma noite bem agradável. Há uma coisa que eu quero mostrar a você, uma coisa em que quero que toque. Está num quarto não muito longe daqui – na verdade, fica bem na próxima página.
Vamos?

Bridgton, Maine
27 de fevereiro de 1977





Fonte: http://fasebonus.wordpress.com/

sábado, 30 de julho de 2016

The Shining, 1997: Uma versão alternativa de O iluminado.


Gente, essa versão de O Iluminado é bem mais interessante. Vi há muitos anos atrás e quero ver de novo. A crítica desse blog (lá também tem o link pra download via torrent) vai bem ao encontro da minha impressão da versão do Kubrick. 
É naquele clássico formato série de TV da década de 90, dentro do qual outras obras do King foram gravadas (A tempestade do século, 1999; A dança da morte, 1994; Fenda no Tempo, 1995).
Bom, Stephen King não apenas foi o produtor executivo dessa versão, como também escreveu os três episódios, o que já dá um grande crédito! Bora lá olhar!



sexta-feira, 29 de julho de 2016

O Iluminado. Stephen King, 1977.


     As vezes me policio um pouco para não ler apenas Stephen King. Tento sempre dar uma variada, intercalar com outras coisas. Dessa vez comecei uns três livros diferentes e nenhum engrenou. Até que, sei lá por que cargas d'agua, entre tantos livros do King, eu resolvi começar a ler esse. E daí aconteceu o que sempre acontece quando começo um livro dele, não consegui mais parar de ler. 

     Primeira coisa a dizer: se o filme do Kubrick (O Iluminado, 1980)  já não me agradava muito, agora me agrada menos ainda. Todos sabemos que o cinema exige uma adaptação da forma de linguagem, exige seleção e, por conseguinte, exclusão de personagens, acontecimentos, circunstâncias, cenários, etc. Porém, o problema com o filme do Kubrick é que ele não apenas adaptou, mas mexeu em coisas que deram um sentido completamente diferente à história e desfigurou o arco psicológico dos personagens. À grosso modo, a alma do livro não está no filme.

     Alguns exemplos. O filme negligenciou a importante dinâmica familiar dos Torrence, a complexidade do personagem de Jack, que não apenas tem o problema com o alcoolismo, como também tem problemas de frustração profissional (escritor), e um problema sério de autocontrole. Toda essa complexidade é manipulada pelo hotel. A filmagem também não foi feliz no trato com a "luz" de Danny, mostrando Danny como um garoto fraco que tem um amigo imaginário que lhe conta coisas, quando o "talento" de Danny na verdade vai muito mais além. Danny é causa e o combustível potencializador de todo o poltergeistist no Overlook. O hotel o quer para aumentar seu poder. Ademais, o filme retrata Wendy como uma idiota histérica, Danny como uma espécie de autista e Jack como um louco, descaracterizando os personagens complexos do livro de King. Além de ter menosprezado totalmente a importância do carismático personagem de Dick Halloran. 

     Em resumo, acho o filme fraco e, embora seja um símbolo da cultura cult, já não me convence a olhá-lo novamente. 

     Falando das falhas do filme, acabei também falando dos pontos fortes do livro. Penso que o aspecto mais bem construído do livro é a dinâmica entre a riqueza descritiva do psicológico de Jack antes do Overlook e a influência e manipulação do hotel sobre essas lembranças e sobre a auto imagem de Jack, levando-o a loucura. Os diálogos internos de Jack são incrivelmente sinistros e a transformação psicológica de pai dedicado à louco assassino é assustadoramente sutil. O Overlook possui Jack. É como se aos poucos o hotel fosse tirando Jack do domínio de sua própria mente e tomando o controle.

     Outro ponto muito bem trabalhado por King é a questão da luz de Danny. Ele descreve com uma riqueza de detalhes que nos faz ter uma compreensão profunda de como as coisas se dão na cabecinha dele, de como são suas impressões e seus sentimentos, sempre muito associados à imagens simbólicas, cores e sensações. Na reta final da história o autor dá algumas pistas sobre o misterioso Tony, que aparece nas visões de Danny, o que nos arrasta obrigatoriamente para a sequência desse livro, Doutor Sono (2014).

     Um livro maravilhoso que de tão bom me obriga a ler sua sequência. Mas isso já é outra história...



     Mas os adultos estavam sempre metidos em conflitos, todas as possíveis ações turvadas pelas conseqüências, pela dúvida, pela própria imagem, por sentimentos de amor e responsabilidade. Toda e qualquer escolha parecia ter um empecilho, e, às vezes, ele não entendia por que os empecilhos eram empecilhos. Era difícil. (Danny Torrence, O iluminado, KING, 1977)




sábado, 19 de março de 2016

Fantasmas do século XX. Joe Hill, 2005.

Meu primeiro contato com Joe Hill foi através do filme Horns (2013). Fiquei surpresa ao saber que Joe Hill era filho de ninguém menos do que Stephen King. Não sabia que King tinha um filho com tamanho talento e que seguisse tão bem os passos do pai. 
Amei o filme, e fui procurar algo dele para ler, o primeiro escolhido foi Fantasmas do Século XX, de 2005, e, bem, o que dizer desse livro? Fantástico. A escrita de Joe é muito ágil, direta, limpa, o que deixa o ritmo de suas histórias alucinantes, ainda mais no caso dos contos. Não sou uma profunda conhecedora de histórias de terror, no sentido de que não domino os primeiros autores, as referências mais primitivas dos autores que leio, então é difícil dizer que as histórias são realmente originais. O que posso dizer é que, pra mim, os contos deste livro foram muito originais e criativos, superando os clichês do mundo da literatura de horror atuais.



Joe Hill
Foi uma gratíssima surpresa encontrar você, Joe Hill. É difícil não pensar que Stephen King já tem 68 anos, e chegará o dia em que não estará mais entre nós. É verdadeiramente confortador para os fãs de King saber que seu filho está aí, não para substituí-lo, mas para continuar a preencher nossas mentes com histórias mágicas e arrepiantes. 

Link para o download do epub





Horns (2013), filme baseado na obra Horns (2010) de Joe Hill

sábado, 19 de setembro de 2015

A fantástica saga de Stephen King: A Torre Negra.

Foi verdadeiramente emocionante. Ao fim, essa espécie de emoção apoteótica, uma melancólica sensação de orfandade, de vazio. A gente sabe de um bom livro quando sente isso, esse misto de êxtase e tristeza quando chegamos nas páginas finais de uma história. Ao longo de toda a jornada, fui tomada por tão verdadeiras emoções, que me fizeram sonhar que estava no Mundo Médio integrando o Ka-tet de Roland. Não apenas agora, hora em que tristemente me despeço desta jornada maravilhosa, mas ao longo de toda a trajetória, me senti mergulhada no Mundo Médio.
Stephen King escreve com um talento sem igual, constrói personagens tão genuínos que nos transporta para dentro de suas mentes, nos faz sentir o que eles sentem, viver o que eles vivem.
Espécie de velho oeste 'steampunk', os rumos desta saga me foram totalmente surpreendentes, superaram qualquer expectativa que eu pudesse ter.



Último de uma linhagem de pistoleiros, Roland se torna obcecado por chegar à Torre Negra, centro nevrálgico de todos os mundos. Nos mais diversos "quandos" e "ondes" existem portas pelas quais é possível transitar, mas quase sempre o sentido da travessia é único, e o que se vai encontrar do outro lado nem sempre é o que se espera, e muitas vezes perigoso. É através destas portas que Roland vai arrolar seu Ka-tet, formado por Eddie Dean, Jake Chambers e Susannah Dean, então Odetta Holmes. Ao longo do caminho, um membro inusitado integra o Ka-tet: Oi, um trapalhão (espécie de cachorro do mundo médio que é capaz de repetir algumas palavras) muito simpático que vai ter um papel surpreendentemente importante na história. A partir de então, o Ka-tet segue em direção a Torre Negra, cruzando territórios inóspitos e perigosos, enfrentando inimigos e situações atípicos.
O épico A Torre Negra é uma grande mistura de fantasia, terror e ficção. O termo que cunhei há pouco "velho oeste steampunk", apesar de não ser exato, dá uma boa impressão do que esperar ao ler A Torre Negra.



Destaque para Susannah Dean: mulher, negra, privada de ambas as pernas, que vem da década de 60 integrar o Ka-tet de Roland. Susannah é uma espécie de terceira personalidade que surge a partir do conflito esquizofrênico de suas duas outras personalidades, Odetta Holmes e Detta Walker. Uma grande personagem feminina, forte, inteligentíssima, talvez a mais sensivelmente perspicaz  de todo o Ka-Tet. 



Não vou me ater a fazer sínteses ou resumos dos livros, pois isso vocês encontram mil vezes por aí na internet. Registro aqui minha impressão e minha forte indicação para que leiam esta obra-prima do mestre do terror Stephen King .É bem verdade que é uma empreitada literária, são 7 volumes, a maioria deles bastante extensos. Mas ao iniciar, a gente não percebe mais o tempo correr, passear o olhos pelas páginas desta obra primorosa se torna um prazer. Existe um oitavo volume, lançado em 2012, intitulado "O vento pela fechadura", este ainda não li, mas pelo que pude entender, não é uma continuidade à história, mas um retorno através do qual o personagem de Roland Deschain conta mais uma parte de sua história pregressa.

Como em muitas obras de King, esta também é recheada com incríveis percepções sobre o escritor e o ato de escrever. Acho fantástico como o autor se percebe enquanto escritor: "Não esqueça que, no fundo, eu não invento as coisas; só registro o que vejo". Ele explica o escritor não como criador, mas como instrumento de uma força maior, quase um profeta de Gan.

"De qualquer modo, eu não devolveria um único minuto do tempo que vivi no onde e quando de Roland. Aqueles dias no Mundo Médio e no Fim do Mundo foram realmente extraordinários. Foram dias em que minha imaginação estava tão clara que eu podia cheirar a poeira e ouvir o ranger do couro." [KING, 2004]

No mais é isso pessoal. Longos dias e belas noites à todos. Iniciemos esta jornada...


O homem de preto fugia pelo deserto e o pistoleiro ia atrás...



Para download dos livros clique aqui


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Tudo é eventual - Stephen King, 2002.

Stephen King é, sem dúvida, meu escritor favorito. Não só pelas histórias arrepiantes, criativas e emocionantes que saem da sua cachola, mas também pela forma simples, limpa e direta com que escreve, sem rodeios, sem floreios desnecessários. Ele é "O Mestre King", e ler um livro dele é uma ótima leitura garantida. 

Às vezes nem dá pra saber o que é melhor, se as histórias do escritor, ou se os prefácios, introduções e epílogos que ele coloca em suas obras com tanta sinceridade, explicando seus processos de criação, de onde vem sua inspiração para tais e tais obras. Enfim, o cara é "O Cara".

Essa coletânea reúne 14 contos verdadeiramente intensos, incluindo uma prequela do nosso querido pistoleiro Roland Deschain (ícone do épico A Torre Negra), que narra um episódio que antecede seu encontro com o Homem de Preto, início da série.


Bom não tem como apontar quais os melhores contos, pois todos são ótimos na minha opinião. No prefácio deste livro, King faz uma breve reflexão, muito interessante, sobre os rumos do conto como gênero literário.

Vale a leitura, você nem vai perceber que já está no final do livro.



Seguem algumas notas que fiz do livro:

Introdução:


[...] não há motivo algum para que sejam comercializadas pelos mesmos velhos métodos-do-vovô, assim como não há qualquer motivo para se presumir (como tantos críticos tediosos têm feito na imprensa) que a maneira como um trabalho de ficção é vendido, de algum modo, contamina ou barateia o produto.
Se estou numa dessas salas de espera de aeroporto metidas a besta, geralmente sou ignorado pelo resto da clientela, ocupada em tagarelar ao telefone ou fazer negócios no bar. Por mim, tudo bem. De vez em quando, um desses homens aproxima-se e me pede para autografar um guardanapo de papel para a mulher. Esses sujeitos com ternos magníficos e pastas de executivo geralmente me contam que a mulher leu todos os meus livros. Por outro lado, eles não leram nenhum. Querem que eu saiba disso também. São ocupados demais. Leram Os Sete Hábitos das Pessoas Muito Bem-sucedidas, leram Quem Mexeu no meu Queijo? Leram A prece de Jabez e ponto. Tenho que correr, tenho que me apressar, tenho um enfarte marcado para daqui a uns quatro anos e quero ter certeza de ir ao encontro dele com meus papéis em ordem.

As irmãzinhas de Eluria:

Para Roland, o Deus da Cruz era apenas outra religião ensinando que amor e assassinato estavam indissoluvelmente ligados — e que, no final, Deus sempre bebia sangue.
À sua direita agora, a meio caminho de onde a rua se abria para a praça da cidade, ficava a igreja, com faixas de relva dos dois lados: uma separando-a do Salão de Reunião, e outra separando-a da pequena casa construída ao lado para o pastor e sua família (isto é, se aquela era uma das seitas de Jesus que permitia a seus xamãs terem esposas e famílias; algumas, claramente administradas por lunáticos, exigiam pelo menos a aparência de celibato.

Tudo é eventual:
[...] gente criativa não está sempre no controle das coisas. E quando fazem seu melhor trabalho, raramente estão no controle. Estão apenas rolando por ali, de olhos fechados, berrando iupii! 

Introdução ao conto A teoria de L.T. sobre animais de estimação:


Para mim, essa recompensa é o que importa. Quero fazer você rir ou chorar ao ler uma história... ou as duas coisas ao mesmo tempo. Em outras palavras, quero o seu coração. Se a sua intenção é aprender algo, vá para o colégio.

A teoria de L.T. sobre animais de estimação:


Quando a pessoa levanta de manhã, não tem a mínima idéia do quanto a sua vida pode estar mudada ao pousar de novo a cabeça no travesseiro, à noite. “Você não conhece o dia ou a hora”, diz a Bíblia. Acredito que esta frase seja sobre a morte, mas ela se ajusta a todo o resto, rapazes. Todo o resto neste mundo. A gente nunca sabe quando está bebendo a última gota.
É possível que a maior divisão do mundo não se dê entre homens e mulheres, e sim entre os que gostam de gato e os que gostam de cachorro. 
Num casamento, as palavras são como chuva. E a terra de um casamento está cheia de valas e arroios que podem se tornar rios furiosos num piscar de olhos. Os terapeutas acreditam na fala, mas a maioria deles é divorciada ou gay. O silêncio é o melhor amigo do casamento.

Almoço no café Gotham:


Ninguém pode conhecer o resultado final de suas ações, e poucos chegam a tentar fazê-lo; a maioria de nós faz o que faz para prolongar o prazer de um momento ou parar a dor. E mesmo quando agimos pelos motivos mais nobres, do último elo da corrente freqüentemente pinga o sangue de alguém.

Introdução ao conto Andando na bala:


Este provavelmente é o grande tema da ficção de horror: a necessidade de lidar com um mistério que só pode ser entendido com a ajuda de uma imaginação cheia de esperança.

Andando na bala:


Passei a entender que há coisas por baixo das coisas, sabe — por baixo das coisas — e nenhum livro pode explicar o que são. E às vezes é melhor esquecer que essas coisas estão aí. Isto é, se a gente puder.
[...] às vezes rir dos idiotas era a única vingança que se podia ter.

A moeda da sorte:

A sorte era uma piada. Mesmo a boa sorte era apenas má sorte com o cabelo penteado.