segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Sombras da noite - Stephen King, 1978


Não adianta, Stephen King é um gênio. Não só pelas tramas, mas pelo domínio que ele tem da arte de escrever. O terror expresso numa verdadeira dança de palavras e frases, com uma cadência quase poética. Lindo de se ler. Este é um livro de contos, o que certamente torna a leitura mais dinâmica. Indicadíssimo! 
É importante comentar sobre o "terror natural" que a gente encontra em alguns dos contos do King, ou seja, o terror da vida real, presente em dilemas cotidianos, que assumem um aspecto definitivamente macabro quando vistos através dos olhos do autor. Exemplos desse "terror natural", estão em Primavera Vermelha, O Ressalto (ótimo), Ex-fumantes Ltda., O último degrau da escada, O Homem que Adorava Flores e A mulher no quarto.


Segue lista dos contos no livro. Grifei aqueles que julgo serem os melhores.


- Jerusalem's Lot;
- Último Turno;
- Ondas Noturnas;
- Eu Sou o Portal;
- A Máquina de Passar Roupa;
- O Bicho-Papão;
- Massa Cinzenta;
- Campo de Batalha;
- Caminhões;
- Às Vezes Eles Voltam;
- Primavera Vermelha;
- O Ressalto;
- O Homem do Cortador de Grama;
- Ex-Fumantes Ltda;
- Eu Sei do que Você Precisa;
- As Crianças do Milharal;
- O Último Degrau da Escada;
- O Homem que Adorava Flores;
- A Saideira;
- A mulher no quarto.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

BELAS MALDIÇÕES, 1990.

O que aconteceria se o Anticristo, destinado a liderar o Apocalipse na Terra, fosse trocado na maternidade? O que aconteceria se esse garoto crescesse como um garoto comum, sem a influência das forças sombrias do mundo subterrâneo?
O que fazer quando o Adversário, Destruidor de Reis, Anjo do Poço Sem Fundo,
Grande Besta que é chamada de Dragão, Príncipe Deste Mundo, Pai das Mentiras, Filho de Satã e Senhor das Trevas, não passa de um garoto pré-adolescente bastante confuso e com fortes tendências ideológicas utópicas sobre um mundo melhor, um mundo corrigível?
Esse livro é uma narrativa bastante bem-humorada e irônica do Apocalipse, através de um perspectiva que ultrapassa a dicotomia de bem e mal, caindo num terreno deveras filosófico. Uma das passagens que resume bastante esse aspecto do livro é essa que segue:

— Claro que eu tenho que escolher um lado — disse Pimentinha. — Todo mundo tem que escolher um lado em alguma coisa.
Adam (Anticristo) apareceu para tomar uma decisão.
— Sim. Mas acho que você pode criar seu próprio lado.
p. 297

Abaixo, as notas que extraí:


GAIMAN, Neil; PRATCHETT, Terry. Belas maldições: as belas e precisas profecias de Agnes Nutter, bruxa : romance. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 374 p.

Deus age de formas extremamente misteriosas, para não dizer tortuosas. Deus não joga dados com o universo; Ele joga um jogo inefável de sua própria criação, que poderia ser comparado, na perspectiva de qualquer um dos outros jogadores [todos os dois], a estar envolvido numa obscura e complexa versão de pôquer numa sala completamente escura, com cartas em branco, por apostas infinitas, com um crupiê que não lhe diz quais são as regras, e que sorri o tempo todo. p. 15


A maioria dos membros do convento eram satanistas empedernidas, como seus e pais e avós antes delas. Haviam sido criadas dentro do satanismo e não eram, pensando bem, particularmente más. Seres humanos não costumam ser. É que eles se deixam levar por novas idéias, como se vestir com uniformes camuflados e sair matando pessoas, ou se vestir com lençóis brancos e sair linchando pessoas, ou se vestir com jeans justos e tingidos e sair tocando guitarras na cara das pessoas. Ofereça às pessoas um novo credo com um uniforme e seus corações e mentes seguirão. p. 29

Pode ser de alguma ajuda compreender as questões humanas para esclarecer que a maioria dos grandes triunfos e tragédias da história são provocados não pelas pessoas serem fundamentalmente boas ou más, mas por elas serem, fundamentalmente, pessoas. p. 30

[...] ele gostava das pessoas. Era um grande defeito num demônio.
Ah, ele dera o melhor de si para infernizar as vidas deles, porque esse era seu trabalho, mas nada que ele pudesse pensar era metade do que eles pensavam por conta própria. Pareciam ter um talento para isso. Estava embutido no projeto da criação deles de algum modo. Nasceram num mundo que era contra eles em um milhão de coisinhas, e então dedicavam a maior parte de suas energias a torná-lo pior. Ao longo dos anos, Crowley achara cada vez mais difícil encontrar algo de demoníaco a fazer que se destacasse contra o plano de fundo natural da maldade generalizada. No decorrer do último milênio, houve momentos em que sentiu vontade de enviar uma mensagem lá para Baixo dizendo: escutem, que tal a gente desistir de tudo agora, fechar Dis e o Pandemônio e todo o resto e nos mudarmos para cá? Não há nada que possamos fazer a eles que eles já não façam por conta própria, e eles fazem coisas que nós sequer pensamos, freqüentemente envolvendo eletrodos. Eles têm o que não temos. Eles têm imaginação. E eletricidade, é claro. p. 37

E justo quando você pensa que eles eram mais malignos do que o Inferno jamais poderia ser, eles podiam ocasionalmente mostrar mais graça do que o Céu jamais sonhara. Muitas vezes o mesmo indivíduo estava envolvido. Era essa coisa de livre-arbítrio, claro. Era um saco.
Aziraphale havia tentado explicar isso para ele certa vez. A questão, dissera ele — isso foi por volta de 1020, quando fizeram seu primeiro Acordo —, a questão era que, quando um humano era bom ou mau, era porque queria sê-lo. Ao passo que pessoas como Crowley e, claro, ele próprio eram orientadas em seus caminhos desde o começo. As pessoas não podiam se tornar inteiramente santas, dissera ele, a menos que também tivessem a oportunidade de serem definitivamente más.
Crowley pensara nisso por algum tempo e, por volta de 1023, dissera, Espere aí, isso só funciona se todos começarem iguais, ok? Você não pode jogar alguém numa cabana lamacenta no meio de uma zona de guerra e esperar que eles façam coisas tão boas quanto alguém que nasceu num castelo.
Ah, dissera Aziraphale, essa é a parte boa. Quanto mais de baixo você começa, mais oportunidades você tem.
Crowley dissera: Isso é loucura.
Não, dissera Aziraphale, é inefável.

p. 38


De qualquer modo, por que estamos falando de bem e mal? São apenas nomes de facções. Nós sabemos disso. p. 56

Dizem que o Diabo tem as melhores músicas.
Isso é em grande parte verdade. Mas o céu tem os melhores coreógrafos. p. 82

- Não acho que sair queimando gente seja permitido - disse Adam. - Senão as pessoas estariam fazendo isso a todo instante.
- Tudo bem se você for religioso - disse Brian com segurança. - E isso impede que as bruxas vão para o inferno, então acho que elas até ficariam bastante agradecidas se entendessem isso direito. p. 125

Anathema não só acreditava em linhas de energia telúrica como também em focas, baleias, bicicletas, florestas tropicais, pães de trigo integral, papel reciclado, sul-africanos brancos fora da África do Sul e americanos fora de praticamente qualquer lugar até e incluindo Long Island. Ela não compartimentalizava suas crenças. Estavam fundidas numa crença enorme e inteiriça e, comparada a ela, a de Joana D'Arc seria apenas uma ideiazinha vaga. p. 137

Costumava-se pensar que os eventos que mudavam o mundo eram coisas como grandes bombas, políticos maníacos, enormes terremotos ou vastas movimentações populacionais, mas hoje em dia se sabe que esta é uma visão muito antiquada sustentada por pessoas inteiramente fora de contato com o pensamento moderno. As coisas que realmente mudam o mundo, segundo a teoria do Caos, são as coisas pequenas. Uma borboleta bate as asas na selva amazônica, e subseqüentemente uma tormenta ataca metade da Europa. p. 139
— É gozado — disse ele. — Você passa a vida inteira indo pra escola e aprendendo um monte de coisas, e eles nunca falam pra você de coisas como o Triângulo das Bermudas, ovnis e todos esses Velhos Mestres correndo por dentro da Terra. Por que a gente tem que aprender coisas chatas quando tem tanta coisa fantástica que podíamos estar aprendendo, é isso o que eu quero saber. p. 160
Newton Pulsifer jamais tivera uma causa em sua vida. Tampouco, até onde ele sabia, jamais acreditara em nada. Isso era embaraçoso, porque ele realmente queria acreditar em alguma coisa, já que reconhecia que crença era a tábua de salvação que fazia a maioria das pessoas passar pelas águas turbulentas da Vida. Ele teria gostado de acreditar num Deus supremo, embora tivesse preferido meia hora de bate-papo com Ele antes de se comprometer, para esclarecer uma ou duas coisas. Ele freqüentara todos os tipos de igrejas, esperando aquele lampejo único de luz azul, que não havia aparecido. E então tentou e se tornou um Ateu oficial, e não tinha a força inabalável e confiante para crer sequer nisso. E todos os partidos políticos lhe pareciam igualmente desonestos. E ele desistira da ecologia quando a revista ecológica que assinava mostrou aos seus leitores um plano de uma horta auto-suficiente, e haviam desenhado a cabra ecológica a um metro da colméia ecológica. Newt passara muito tempo na casa de sua avó, no campo, e achava que entendia alguma coisa dos hábitos de cabras e abelhas, e concluiu, portanto que a revista era editada por um bando de maníacos vestidos com jardineiras. Além do mais, ela usava a palavra "comunidade" com freqüência demais; Newt sempre suspeitara de que as pessoas que usavam regularmente a palavra "comunidade" a estavam utilizando num sentido muito específico que excluía a ele e todos que ele conhecia.
Então tentara crer no Universo, o que lhe pareceu sadio o suficiente até começar inocentemente a ler novos livros com palavras como Caos, Tempo e Quântico nos títulos. Descobrira que até mesmo as pessoas cujo trabalho era, por assim dizer, o Universo, no fundo não acreditavam nele e estavam até muito orgulhosos de não saber o que ele realmente era ou mesmo se ele poderia existir teoricamente.
Para a mente certinha de Newt isso era intolerável.
Newt não havia acreditado nos Lobinhos, e depois, quando ficou grande o bastante, tampouco nos Escoteiros. p. 169-70

— É como você disse outro dia — disse Adam. — Você cresce lendo sobre piratas, caubóis, homens do espaço, essas coisas, e justo quando você pensa que o mundo está cheio de coisas fantásticas, eles te dizem que a verdade é que ele está cheio é de baleias mortas, florestas devastadas e lixo nuclear que vai ficar por aí milhões de anos. Mundinho boboca de se crescer, se você quer minha opinião. p. 208

Foi então que Marvin entrou para a religião. Não a do tipo silencioso e pessoal, que envolve fazer boas ações e viver uma vida melhor; nem mesmo o tipo que envolve vestir um terno e tocar as campainhas dos outros; mas o tipo que envolve ter sua própria rede de TV e chamar pessoas para lhe dar dinheiro. p. 257

Para ampliar seus aspectos ocultos, Julia havia começado a usar muita jóia de prata feita à mão e sombra verde nos olhos. p. 266

Carros, teoricamente, são um método fantasticamente rápido de se viajar de um lugar a outro. Engarrafamentos, por outro lado, são uma fantástica oportunidade de se ficar absolutamente parado. p. 283