sexta-feira, 29 de julho de 2016

O Iluminado. Stephen King, 1977.


     As vezes me policio um pouco para não ler apenas Stephen King. Tento sempre dar uma variada, intercalar com outras coisas. Dessa vez comecei uns três livros diferentes e nenhum engrenou. Até que, sei lá por que cargas d'agua, entre tantos livros do King, eu resolvi começar a ler esse. E daí aconteceu o que sempre acontece quando começo um livro dele, não consegui mais parar de ler. 

     Primeira coisa a dizer: se o filme do Kubrick (O Iluminado, 1980)  já não me agradava muito, agora me agrada menos ainda. Todos sabemos que o cinema exige uma adaptação da forma de linguagem, exige seleção e, por conseguinte, exclusão de personagens, acontecimentos, circunstâncias, cenários, etc. Porém, o problema com o filme do Kubrick é que ele não apenas adaptou, mas mexeu em coisas que deram um sentido completamente diferente à história e desfigurou o arco psicológico dos personagens. À grosso modo, a alma do livro não está no filme.

     Alguns exemplos. O filme negligenciou a importante dinâmica familiar dos Torrence, a complexidade do personagem de Jack, que não apenas tem o problema com o alcoolismo, como também tem problemas de frustração profissional (escritor), e um problema sério de autocontrole. Toda essa complexidade é manipulada pelo hotel. A filmagem também não foi feliz no trato com a "luz" de Danny, mostrando Danny como um garoto fraco que tem um amigo imaginário que lhe conta coisas, quando o "talento" de Danny na verdade vai muito mais além. Danny é causa e o combustível potencializador de todo o poltergeistist no Overlook. O hotel o quer para aumentar seu poder. Ademais, o filme retrata Wendy como uma idiota histérica, Danny como uma espécie de autista e Jack como um louco, descaracterizando os personagens complexos do livro de King. Além de ter menosprezado totalmente a importância do carismático personagem de Dick Halloran. 

     Em resumo, acho o filme fraco e, embora seja um símbolo da cultura cult, já não me convence a olhá-lo novamente. 

     Falando das falhas do filme, acabei também falando dos pontos fortes do livro. Penso que o aspecto mais bem construído do livro é a dinâmica entre a riqueza descritiva do psicológico de Jack antes do Overlook e a influência e manipulação do hotel sobre essas lembranças e sobre a auto imagem de Jack, levando-o a loucura. Os diálogos internos de Jack são incrivelmente sinistros e a transformação psicológica de pai dedicado à louco assassino é assustadoramente sutil. O Overlook possui Jack. É como se aos poucos o hotel fosse tirando Jack do domínio de sua própria mente e tomando o controle.

     Outro ponto muito bem trabalhado por King é a questão da luz de Danny. Ele descreve com uma riqueza de detalhes que nos faz ter uma compreensão profunda de como as coisas se dão na cabecinha dele, de como são suas impressões e seus sentimentos, sempre muito associados à imagens simbólicas, cores e sensações. Na reta final da história o autor dá algumas pistas sobre o misterioso Tony, que aparece nas visões de Danny, o que nos arrasta obrigatoriamente para a sequência desse livro, Doutor Sono (2014).

     Um livro maravilhoso que de tão bom me obriga a ler sua sequência. Mas isso já é outra história...



     Mas os adultos estavam sempre metidos em conflitos, todas as possíveis ações turvadas pelas conseqüências, pela dúvida, pela própria imagem, por sentimentos de amor e responsabilidade. Toda e qualquer escolha parecia ter um empecilho, e, às vezes, ele não entendia por que os empecilhos eram empecilhos. Era difícil. (Danny Torrence, O iluminado, KING, 1977)




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