terça-feira, 15 de março de 2011

O retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde, 1890

Resolvi reler este livro e, mais uma vez, percebi como nossas leituras do mundo mudam, como as impressões mudam, as referências, etc. Reconheço que me impressionou muito da primeira vez. Agora, no entanto, já tive algumas ressalvas. É um ótimo livro sem dúvida, século XIX que por si já é algo incrível. O argumento é absolutamente genial. Penso, porém, que  poderia ter sido explorado de maneira mais sombria, mais densa. No todo, senti o livro muito dândi, muito floreado. Reflexo talvez do escritor, e da vida burguesa que levava. Neste sentido, o filme O retrato de Dorian Gray (2009) foi realmente muito feliz. Com algumas alterações adaptativas para uma melhor obra cinematográfica, o filme conta com uma fotografia incrível, e com a atuação notável do jovem ator Ben Barnes, um Dorian Gray perfeito. Sei que no livro Dorian é loiro, espadaúdo, etc. Mesmo assim, não consegui mais imaginar uma figura que correspondesse ao livro. É como se a alma do Dorian do cinema tivesse sido mais fiel ao espírito do livro do que o Dorian do próprio livro. Sei que é estranho dizer isso, mas foi assim que senti, assim que se deu comigo.
Apenas mais um ressalva, sobre o Oscar Wilde. Sei que "ser burguês" não é restrição de talento e não torna o autor menos creditado. Porém, muitas pessoas exaltam Wilde como um mártir do homossexualismo. Preso por isso, inclusive, sofredor. Contudo, sua vida foi bastante abastada e fútil. Foi casado e teve filhos. E o homossexualismo, no seu caso, foi mais um apetite pelo diferente, pelo experimental, na época, mesmo uma tendência de moda dos círculos intelectuais que aspiravam um retorno as origens clássicas. Mas teve também muitas paixões heterossexuais. Ficou preso apenas 2 anos, e algum tempo depois de sair da prisão recuperou  relativo prestígio artístico nos círculos sociais. 
No mais é isso. Indico os dois, livro e filme. Atenção para a tradução de Pietro Nassetti, muito boa, gostei muito. Seguem as fichas:

Ano: 2009
Origem: Reino Unido
Diretor: Oliver Parker
Escritores: Oscar Wilde (romance), Toby Finlay (roteiro)







WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2005. 189 p.

                A forma de crítica mais elevada, como a mais baixa, é um gênero de autobiografia. Os que só vêem intenções vis nas coisas belas são depravados destituídos de encanto. É um defeito. Os que admitem intenções belas nas coisas belas são espíritos cultos. Para estes há esperança. São os leitos, para quem o belo significa unicamente beleza.
                A aversão do século XIX ao Realismo é a fúria de Calibã ao reconhecer a sua imagem num espelho. A antipatia que o século XIX vota ao Romantismo é o despeito de Calibã por não ver o seu rosto num espelho.
                Toda arte é ao mesmo tempo aparência e símbolo. Os que penetram abaixo dessa aparência o fazem por sua conta e risco. Os que decifram o símbolo também o fazem por sua conta e risco. A arte reflete o espectador e não a vida.
[Prefácio do autor, p. 13-14]

                Mas a beleza, a verdadeira beleza, acaba onde principia a expressão inteligente. A inteligência em si é uma espécie de exagero; desmancha a harmonia de qualquer rosto. A partir do instante em que nos metemos a pensar, vamos ficando só olhos, ou só testa, ou qualquer outro horror. p. 16

                Em toda superioridade física ou intelectual, há uma fatalidade, a fatalidade que parece seguir, através da história, os passos incertos dos reis. É preferível não sermos diferentes do nosso próximo. O feio, o tolo têm neste mundo a melhor sorte. Se não chegam a provar o gosto da vitória; pelo menos lhes é poupado o ranço das derrotas. Vivem como nós todos deveríamos viver: sossegados, indiferentes, sem preocupações. Não causam a desgraça alheia nem são desgraçados por alheias mãos. A sua posição social e a sua riqueza, Harry, a minha inteligência, seja qual for, a minha arte, valha o que valer, a bela aparência de Dorian Gray: são dons dos deuses, pelos quais teremos os três de sofrer, de sofrer horrivelmente. p. 17

[...] o gênio dura mais do que a beleza. Isso explica o nosso empenho em nos educarmos bem. Na luta feroz pela existência, queremos contar com alguma coisa duradoura, e enchemos a mente com bobagens e fatos, na esperança insensata de guardarmos o nosso lugar. O homem perfeitamente bem informado, eis o ideal moderno. E o cérebro do homem perfeitamente bem informado é uma coisa horrorosa, uma espécie de bricabraque atulhado de monstrengos e de poeira, com tudo tabelado abaixo do verdadeiro valor. p. 23

[...] a pior conseqüência de um romance de qualquer gênero é ele nos deixar tão desromantizados. p. 24

- Boa influência é coisa que não existe, senhor Gray. Toda influência é imoral... imoral, do ponto de vista científico.
- Por quê?
- Porque influenciar uma pessoa é emprestar-lhe a nossa alma. Essa pessoa deixa de ter idéias próprias, de vibrar com as suas paixões naturais. As suas qualidades não são verdadeiras. Os seus pecados, se é que existe o que se chama pecado, vêm-lhe de outrem. Essa pessoa torna-se o eco da música de outra pessoa, intérprete de um papel que não foi escrito para ela. A finalidade da vida é para cada um de nós o aperfeiçoamento, a realização plena da nossa personalidade. Hoje, cada qual tem medo de si próprio; esquece o maior dos deveres: o dever que tem consigo mesmo. Naturalmente, o homem é caridoso. Dá de comer ao faminto, veste o maltrapilho. Mas a sua alma é que sofre e anda nua. A coragem abandonou a nossa raça. Talvez nunca a tenhamos tido. O temos da sociedade, que é a base da moral, e do temos a Deus, que é o segredo da religião... eis as duas coisas que nos governam. Contudo, sou de parecer que se o homem vivesse plena e totalmente a sua vida, desse forma a todo sentimento, expressão a toda idéia, realidade a todo devaneio... creio que o mundo receberia um novo impulso de alegria que nos faria esquecer todos os males do medievalismo e voltar aos ideais helênicos. Mas o mais valoroso dos seres humanos tem medo de si mesmo. A mutilação do selvagem subsiste tragicamente na renúncia que nos estraga a vida. Somos punidos pelo que enjeitamos. Todo o impulso que nos empenhamos em sufocar incuba no nosso espírito e nos envenena. [...] A única maneira de se livrar de uma tentação é ceder-lhe. Resistamo-lhe, e nossa alma adoecerá de desejo do que proibimos a nós mesmos, do que as suas leis monstruosas tornaram monstruoso e ilegítimo. Tem-se dito que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. Também é no cérebro, e só nele, que ocorrem os grandes pecados do mundo. p. 28-29

[...] este é um dos grandes segredos da vida: curar a alma, por meio dos sentido, e os sentidos , por meio da alma. p. 30

A beleza é uma forma de gênio... mais elevada até do que o gênio, pois dispensa explicação. Faz parte dos grandes fatos do universo, como a luz do sol, ou a primavera, ou o reflexo, nas águas escuras, dessa concha de prata a que chamamos lua. p. 31

O mundo é seu pelo espaço de uma temporada. p. 32

Quem foi que definiu o homem como animal racional? A definição mais prematura que já se formulou. O homem pode ser tudo menos racional. p. 36

O traje do século XIX é detestável. Escuro, tristonho... O pecado é realmente o único colorido que subsiste na vida moderna. p. 36

Herdando meses depois o título, dedicara-se ao estudo profundo da grande arte aristocrática de não fazer absolutamente nada. p 38

As pessoas filantrópicas perdem toda a noção de humanidade. p. 41

Meu filho, mulher nunca é um gênio. As mulheres são um sexo decorativo. Nunca têm nada a dizer, mas falam que é um encanto. As mulheres representam o triunfo da matérias sobre o espírito; exatamente como os homens do espírito sobre a moral. p. 50

Um grande poeta, o verdadeiro grande poeta, é o menos poético dos indivíduos. Mas os poetas medíocres são encantadores. Quanto piores os versos, tanto mais pitoresco é o poeta. Ele vive a poesia que não soube escrever. Os outros escrevem a poesia que não conseguem concretizar. p. 57

Corpo e alma, alma e corpo – que dupla misteriosa! Há animalismo na alma; e o corpo tem sues momentos de espiritualidade. Os sentidos podem adquirir requintes, como o espírito está sujeito a degradar-se. Quem saberá dizer onde cessa o impulso carnal ou onde começa o impulso físico? Estará a alma instalada na casa do pecado, ou o corpo inserido realmente na alma? A separação entre o espírito e a matéria é um mistério; como é um mistério a união do espírito com a matéria. p. 58

A sabedoria de lábios finos, sentada na poltrona surrada, tornou a exortá-la à prudência com citações do livro da covardia, cujo autor se disfarça sob o nome de senso comum. p. 60

Sempre há um quê de ridículo nas emoções das criaturas que deixamos de amar. p. 81

Na auto-acusação há uma espécie de volúpia. Acusando-nos, sentimos que ninguém mais tem o direito de nos censurar. É a confissão que nos absolve, e não o sacerdote. p. 87

[...] nada nos envaidece tanto como dizerem-nos que somos pecadores. p. 92

[...] a admiração física pela beleza nasce dos sentidos e morre quando os sentidos se cansam. p 105

Um olhar retrospectivo à evolução do homem através da história causava-lhe uma impressão de dano irreparável. Quantos sacrifícios vãos! Renúncias voluntárias, formas monstruosas de penitência e de auto-imolação originadas pelo terror e cujo resultado era a degradação infinitamente maior e mais terrível do que a abjeção imaginária a que pretendiam furtar-se pobres criaturas ignorantes. A natureza, na sua estupenda ironia, levava os monges a conviver com as feras do deserto, dava aos eremitas, por companheiros, os animais campestres. p 113.

Cada um de nós tem em si o céu e o inferno. p. 131

A vida é muito curta para tomarmos às costas o fardo dos erros alheios. Cada um vive como quer e paga pelo que faz. Só é triste que muitas vezes se deva pagar por uma só falta. E a expiação não tem fim. Nos seus negócios com o homem, o destino nunca fecha a conta. p. 153

Definir é limitar. p. 158

Vá que fosse ilusão... Mas que poder, o da consciência! Que vida seria a dele, daí em diante, se os espectros dos seus erros o perseguissem dia e noite? p. 161

Os livros que o mundo tacha de imorais são os que mostram a sua imoralidade. p. 173

Um comentário:

Lyla Pereira disse...

Amei, vou atras desse livro para ler.