Esse foi o primeiro livro que li da autora. Sinceramente, fui de olhos fechados, como muitas vezes já fiz ao pegar um livro. Não sabia que a carga existencialista de sua obra era tão latente. Acho que isso de certa forma afetou a minha leitura. Sabendo que era ao mesmo tempo um romance, fiquei esperando os "fatos", os "acontecimentos", mas esses elementos são absolutamente secundários para Lispector. O livro em si é uma espécie de ironia acerca da opinião pública sobre a obra da autora, que se queixava da falta de "fatos". No prefácio, Clarisse Fukelman trás uma frase da autora que diz muito a seu respeito "Tem gente que cose para fora, eu coso para dentro". Sem dúvida é uma grande escritora do gênero. Certamente lerei outras obras de Lispector.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990-1993. 106 p.
Porque há o direito ao grito. Então eu grito. (p. 27)
Sim, mas não esquecer que para escrever não-importa-o-quê o meu material básico é a palavra. Assim é que esta história será feita de palavras que se agrupam em frases e destas se evola um sentido secreto que ultrapassa palavras e frases. (p. 28/29)
As coisas estavam de algum modo tão boas que podiam se tornar muito ruins porque o que amadurece plenamente pode apodrecer. (p. 31)
Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite. (p. 32)
E quero aceitar minha liberdade sem pensar o que muitos acham: que existir é coisa de doido, caso de loucura. Porque parece. Existir não é lógico. (p. 34)
Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. (p. 35)
E achava bom ficar triste. Não desesperada, pois isso nunca ficara já que era tão modesta e simples, mas aquela coisa indefinível como se ela fosse romântica. (p. 50)
(Quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo) (p. 51)
Se a moça soubesse que minha alegria também vem de minha mais profunda tristeza e que tristeza era uma alegria falhada. (p. 51)
Em todo caso o futuro parecia vir a ser muito melhor. Pelo menos o futuro tinha a vantagem de não ser o presente, sempre há um melhor para o ruim. (p. 55)
Será que o meu ofício doloroso é o de adivinhar na carne a verdade que ninguém quer enxergar? (p. 74)
É melhor eu não falar em felicidade ou infelicidade – provoca aquela saudade desmaiada e lilás, aquele perfume de violeta, as águas geladas da maré mansa em espumas pela areia. Eu não quero provocar porque dói. (p. 78)
Não se conta tudo porque o tudo é um oco nada. (p. 81)
Quanto a mim, só sou verdadeiro quando estou sozinho. Quando eu era pequeno pensava que de um momento para outro eu cairia para fora do mundo. Por que as nuvens não caem, já que tudo cai? É que a gravidade é menor que a força do ar que as levanta. Inteligente, não é? Sim, mas caem um dia em chuva. É a minha vingança. (p. 87)
Estou absolutamente cansado de literatura; só a mudez ma faz companhia. Se ainda escrevo é porque nada mais tenho a fazer no mundo enquanto espero a morte. A procura da palavra no escuro. O pequeno sucesso me invade e me põe no olho da rua. Eu queria chafurdar no lodo, minha necessidade de baixeza eu mal controlo, a necessidade da orgia e do pior gozo absoluto. O pecado me atrai, o que é proibido me fascina. Quero ser porco e galinha e depois matá-los e beber-lhes o sangue. (p.88)
Estou me interessando terrivelmente por fatos: fatos são pedras duras. Não há como fugir. Fatos são palavras ditas pelo mundo. (p. 89)
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