segunda-feira, 14 de junho de 2010

O príncipe - Niccolò Machiavelli, 1513


Eu sempre achei que esse livro constituísse uma leitura muito chata ou difícil, mas o fato é que ela é muito agradável de ler e tem um vocabulário simples, apesar das construções frasais bem rebuscadas, como característica da época, mas nada que atrapalhe ou impeça a leitura.São, inclusive, pensamentos bastante simples e objetivos que o autor expõe. Com certeza nos ajuda nas concepções sobre "Estado", "governo", etc. Li, em algum lugar que não me recordo agora, que o livro pode ser uma grande ironia do autor. Para tal é importante entender o contexto histórico no qual o livro foi concebido, e também a própria trajetória do autor, que foi funcionário diplomático do governo italiano, acusado de traição e afastado do mundo político. Ora o livro pode ser visto como uma tentativa de voltar para este cenário político, já que a obra é diretamente elaborada para o monarca italiano, ora pode se vislumbrar nela um certo nível de sarcasmo. Vai do leitor tirar suas conclusões. Não só recomendado como necessário, para um melhor entendimento da história do pensamento político.


***


MACHIAVELLI, Niccolò. O príncipe. São Paulo: Círculo do Livro, 1982. 169 p.




Tanto nomini nullum par elogium

Tão grande nome nenhum elogio alcança
(Epitáfio no túmulo do autor)



Os principados são: ou hereditários, quando seu sangue senhorial é nobre há já longo tempo, ou novos. Os novos podem ser totalmente novos, como foi Milão com Francisco Sforza, ou o são como membros acrescidos ao Estado hereditário do príncipe que os adquire, como é o reino de Nápoles em relação ao rei da Espanha. Estes domínios assim obtidos estão acostumados, ou a viver submetidos a um príncipe, ou a ser livres, sendo adquiridos com tropas de outrem ou com as próprias, bem como pela fortuna ou por virtude. P. 37

Os romanos, nas províncias de que se assenhorearam, observaram bem estes pontos: fundaram colônias, conquistaram a amizade dos menos prestigiosos, sem lhes aumentar o poder, abateram os mais fortes e não deixaram que os estrangeiros poderosos adquirissem conceito. P. 45

É que, em verdade, não existe modo seguro para conservar tais conquistas, senão a destruição. E quem se torne senhor de uma cidade acostumada a viver livre e não a destrua, espere ser destruído por ela, porque a mesma sempre encontra, para apoio de sua rebelião, o nome da liberdade e o de suas antigas instituições, jamais esquecidas seja pelo decurso do tempo, seja por benefícios recebidos. P. 55

Deve, pois, um príncipe não ter outro objetivo nem outro pensamento, nem tomar qualquer outra coisa por fazer, senão a guerra e a sua organização e disciplina, pois que é essa a única arte que compete a quem comanda. E é ela de tanta virtude, que não só mantém aqueles que nasceram príncipes, como também muitas vezes faz os homens de condição privada subirem àquele posto; ao contrário, vê-se que, quando os príncipes pensam mais nas delicadezas do que nas armas, perdem o seu Estado. P. 97

Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade. P. 101

Deve-se considerar não haver coisa mais difícil para cuidar, nem mais duvidosa a conseguir, nem mais perigosa de manejar, que tornar-se chefe e introduzir novas ordens. Isso porque o introdutor tem por inimigos todos aqueles que obtinham vantagens com as velhas instituições e encontra fracos defensores naqueles que das novas ordens se beneficiam. Esta fraqueza nasce, parte por medo dos adversários que ainda têm as leis conformes a seus interesses, parte pela incredulidade dos homens: estes, em verdade, não crêem nas inovações se não as vêem resultar de uma firme experiência. Donde decorre que a qualquer momento em que os inimigos tenham oportunidade de atacar, o fazem com calor de sectários, enquanto os outros defendem fracamente, de forma que ao lado deles se corre sério perigo. P. 59

Ainda, não evite o príncipe de incorrer na má faina daqueles vícios que, sem eles, difícil se lhe torne salvar o Estado; pois, se bem considerado for tudo, sempre se encontrará alguma coisa que, parecendo virtude, praticada acarretará ruína, e alguma outra que, com aparência de vício, seguida dará origem à segurança e ao bem-estar. P. 103

Conseqüentemente se conclui que os bons conselhos, venham de onde vierem, devem nascer da prudência do príncipe, e não a prudência do príncipe resultar dos bons conselhos. P. 139

















8 comentários:

Rafael Alexandre disse...

É desse livro a ideia de que os fins são justificados pelos meios (mas a frase se popularisou doutro modo, vá se saber porque). Maquiavél - de onde vem o termo maquiavélico - foi um grande teórico da sociedade sobre o prisma do governo. Lembro que certa feita assisti uma palestra chatíssima de um grande administrador, que não convêm nomear, onde o própio dizia que a bíblia do empresário é este livro, e que seu recital dever ser "a arte da guerra", de Sun Tzu. O que de mais valia tirei de maquiavel - além d'O Principe, li, veja que estranho, A Arte da guerra de Maquiavél - foi que quem lidera por amor depende do sentimento alheio; ao passo que quem lidera pelo terror depende somente da crueldade própria. Verdade crua...

K. disse...

Em O príncipe, ele já coloca o dilema de liderança entre o ser amado e o ser temido, questão essa que é referida em muitos filmes, e na arte contemporânea em geral...
Vemos princípios traçados ainda no contexto da Idade Média que ainda permanecem em nossa sociedade... é passível (e urgente) que nos perguntemos se realmente fizemos alguma evolução até aqui...

Obrigada pela leitura do blog, e pelos comentários!

Abraço...

Rafael Alexandre disse...

Isso bem é verdade: vejo que, nas salas de professores Rio grande a fora, existe uma classificação dita a boca miúda... existem os professores que ensinam pelo amor e outros pela dor... Maquiavel teria duas palavrinhas para dizer ao respeito. Sobre evoluir, creio que a questão é mais complicada: o eixo de liderança amor/terror, assim como outros temas, tais como o amor,a amizade, a loucura, o medo, a liberdade... são atemporais e desconhcem fronteiras: onde existir um ser humano que saiba escrever, no passado ou no futuro, no alasca ou na austrália, estes temas serão abordados... Penso assim que talvez a questão não seja de evolução ou não, mas do que é inerente a natureza humana...

Le plaisir est le mien...

K. disse...

Entendo o que falaste sobre atemporalidade. mas acredito que o homem é um ser que evolui, no campo das idéias inclusive. E não vejo o por que de não considerarmos a ação sobre nossa realidade com os dados que vão sendo agregados ao longo da experiência humana. Não acredito na passibilidade humana, como um ser puramente vítima de suas inerências. Ele é em certa medida, claro que sim. Mas também é capaz de olhar pra si mesmo e melhorar-se. O contrário é muito fatalismo.

Abraço.

Rafael Alexandre disse...

Creio que estamos entrando num campo de debate que muito me agrada: liberdade. Maquiavel escreveu, neste livro ne não me engano, que somente podemos aprender estudando o passado e analisando o presente. Se formos estudar a literatura realista de 100, 200 anos atrás, vamos ver uma sociedae industrial, preconceituosa, ignorante, sexista e comandadas por homens: tal qual hoje. Pegue Machado de Assis como exemplo: pai contra a mãe, um caso de burro, o alienista, a igreja do diabo... As roupas, os objetos, a tecnologia, as cidades são diferentes; o dilema, a moral, o relacionamento, não. Muitas vezes achamos que somos livres, porém o que ocorre é que não nos damos conta da pressão social e biológica que nos impele realmente.
Quando nos damos conta disso... daí sim, somos livres...
Não sou fatalista... Sou mais otimista que aparento, rsrsrs. Mas o que me mostra a experiência é que é muito pequena a parcela da população que aprende com a história humana e que menor ainda é a parcela que é livre. Não diria nunca que o ser humano não possa evoluir... só digo que ele não o faz...rsrsrsrs

Abraço

K. disse...

Ok. Estou de acordo com tudo o que dissestes. Acho que em fim de contas temos a mesma opinião e perspectiva sobre as coisas, rsrs. Mas eu acredito no ser humano, talvez seja uma esperança tola. Sei, contudo, que essa mudança, ou evolução no campo das idéias está para muito além das próximas gerações. É uma mudança muito, muito, muito, gradual. Mas talvez isso fale muito mais sobre mim mesma do que propriamente sobre a humanidade... rsrsrs.

Abraço.

Rafael Alexandre disse...

Parafraseando Saramago, não somos nós que escolhemos nossas esperanças, elas que escolhem a nós... Logo, nenhuma esperança é tola, a não ser que esta esperança esteja liga a esperar, como disse paulo freire: Devemos por nossas esperanças em movimento por nossas mão segundo o pedagogo. Foi bem por isso que me tornei professor: é fácil diser que as pessoas são cegas para o mundo e fazer direito/medicina para ficar rico o mais rápido possível...
Pra mim, já o disse, liberdade é saber os reais motivos das nossas decisões e as inevitáveis consequência. Para uma pessaoa assim ponderar ele deve conhecer duas coisas (bem simples, rsrsrs): conhecer o mundo e conhecer a sí. O principe é um ótimo exemplo desse conhecimento: sabemos ali um pouco de como pensa um líder e um pouco das nossas inerências. A partir daí podemos ponderar o que fazemos.
Acredito que quando um grupo razoável de pessoas evolui, evolui a raça toda - a velha história dos macacos que lavam batatas, conheçe? - e é isso que busco. E nisso tenho esperança.
Se ela é gradual? deve ser. Teremos certeza mais tarde, quando olharmos para trás. Penso também que a primeira evolução é sempre pessoal, depois social...

Abraço

ps.: como é dificil encontrar uma pessoa inteligente com quem conversar... Estarei de olho nas tuas postagens.

K. disse...

Muito obrigada por tuas contribuições e idéias compartilhadas a partir do blog. Fico muito grata e feliz! Espero que mantenha o contato e a leitura no blog. Aproveito para fazer propaganda do meu outro blog, destinado, principalmente, para escritos próprios: http://santaverborragiadecadadia.blogspot.com/

Um grande abraço!

=)