quinta-feira, 21 de maio de 2009

O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha - Miguel de Cervantes (Parte I e II - 1605/1615)







Sempre tive certa relutância com esses “super-clássicos”. Seja porque alguns não me disseram nada ou pela linguagem superultramegarebuscada de outros, enfim. Sem falar naqueles em que, de um parágrafo, dez palavras têm de ser pesquisadas no dicionário. Claro que nada disso impede a leitura, mas convenhamos que seja preciso estar inspirado para resolver pegar o livro. Ler no metrô? Absolutamente impossível. Peguei o Quixote porque, além de ser um clássico, muitos professores de História já haviam falado dele. Então resolvi me aventurar. Para minha surpresa foram novecentas e tantas páginas muito agradáveis de ler, além de ter substancialmente enriquecido meu vocabulário e, claro, meu referencial dos séculos XVI e XVII. Realmente RI em muitas passagens, é difícil fazer isso com livros. De repente, você se pega rindo indefinidamente de algo no livro, e é uma sensação muito particular. Recomendo esta edição que li porque reúne as duas partes e também porque possui belíssimas gravuras do grande artista Gustave Doré que realmente incitam a imaginação. A edição também possui um prefácio dedicado a história do autor Miguel de Cervantes, que teve uma vida bastante tempestuosa e irônica. Então, para quem quiser se aventurar, lá vai meu incentivo. 


Referência Bibliográfica:

CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. O engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960. 1149 p.



Aqui vão algumas passagens selecionadas:


“[...] e pior fora ainda o perigo de se fazer poeta, que, segundo dizem, é enfermidade incurável e pegadiça”. p. 107


“[...] coisa mal feita e piormente pensada, por deverem ser os historiadores muito pontuais, verdadeiros, e nada apaixonados, sem que nem interesse, nem temor, nem ódio, nem afeição, os desviem do caminho direito da verdade, que é a filha legítima de quem historia, êmula do tempo, depósito dos feitos, testemunha do passado, exemplo e conselho do presente, e ensino do futuro”. p. 126


“Não eram seus adornos, como os que ao presente se usam, exagerados, com a púrpura de Tiro, e com a por tantos modos martirizada seda; eram folhagens de verde bardana e hera entretecida; com o que talvez andavam tão garridas e enfeitadas como agora andam as nossas damas de corte com as raras e peregrinas invenções que a indústria ociosa lhes tem ensinado. Então expressavam-se os conceitos amorosos da alma simples, tão singelamente como ela os dava, sem se procurarem artificiosos rodeios de fraseado para os encarecer. Com a verdade e lhaneza não se tinha ainda misturado a fraude, o engano, e a malícia. A justiça continha-se nos seus limites próprios, sem que ousassem turbá-la nem ofendê-la o favor e interesse, que tanto hoje a enxovalham, perturbam e perseguem. Ainda se não tinha metido em cabeça a juiz o julgar por arbítrio, porque ainda não havia nem julgadores, nem pessoas para serem julgadas”. p. 136


"A tua falsa promessa, e aminha certa desventura me levam a sítios donde antes chegarão aos teus ouvidos novas da minha morte, do que as razões das minhas queixas. Deixaste-me, ó ingrata, por quem tem mais; porém não vale mais do que eu; mas, se a virtude fôra riqueza que se estimasse, não invejara eu ditas alheias, nem chorara desditas próprias. O que levantou a tua formosura hão-no derribado as tuas obras. Por ela entendi que eras anjo, e por elas reconheço que és mulher. Fica-te em paz, causadora da minha guerra, e o céu permita que os enganos do teu esposo te fiquem sempre encobertos, para que tu não fiques para sempre arrependida do que fizeste, e eu não tome vingança do que não desejo". p. 232


"A pena é ainda mais livre que a fala para bem expressar mistérios do coração". p. 241


"Sucedeu o que é de costume; nos moços o amor quase nunca o é; é sim um apetite, que, por se não endereçar senão ao deleite, apenas o obtém, logo diminiu e acaba. São estes uns limites postos pela própria natureza aos falsos amores; os verdadeiros seguem outra regra; estes duram sempre". p. 242


"[...] a virtude mais é perseguida pelos maus, do que amada pelos bons". p. 464


"Se as minhas feridas não resplandecem aos olhos de quem as mira, são estimadas, pelo menos, por aqueles que sabem onde se ganharam". p. 518


"— Senhor, as tristezas não se fizeram para os brutos, e sim para os homens; mas se os homens sentem demasiadamente, embrutecem". p. 582


"[...] e ainda que a da poesia é menos útil do que deleitosa, não é das que desonram os que a possuem. A poesia, no meu entender, senhor fidalgo, é como uma donzela meiga, juvenil e formosíssima, que se desvelam em enriquecer, polir e adornar outras muitas donzelas, que são todas as outras ciências, e todas com ela se hão-de autorizar; mas esta donzela não quer ser manuseada, nem arrastada pelas ruas, nem publicada nas esquinas das praças, nem pelos desvãos dos palácios. É feita por uma alquimia de tamanha virtude, que quem souber tratá-la pode mudá-la em ouro puríssimo". p. 616


"[...] o vinho em excesso, nem guarda segredos, nem cumpre promessas". p. 790


"[...] pelas obras se revela a vontade de quem as pratica". p. 922


"As esperanças duvidosas devem fazer os homens atrevidos, mas não temerários". p. 931




Um comentário:

Rafael Sanzio disse...

Olá

Estou lendo a 2ª parte do Quixote, e é realmente uma obra fantástica. Tudo está lá. Prazer em conhecê-la, Rafael.